sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil

Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil[1]


Por Ricardo Oliveira

            Por não ter sido construída nos mesmos moldes dos EUA e da África do Sul, a sociedade brasileira acredita viver uma democracia racial, visto que não existem e nunca existiram princípios legais que caracterizassem conflitos raciais abertos (como o Jim Crow e o Apartheid).
            Dessa forma, imaginar política de ação afirmativa parece ser contraditório, pois se o país vive da crença de igualdade racial, ou seja, o mito da democracia racial, não teria sentido criar-se políticas com essa finalidade.
            A crença no mito racial é estruturante do sentimento de nacionalidade do brasileiro.
           E, como dito por Florestan Fernandes, o brasileiro tem preconceito de NÃO ter preconceito, ou seja, entre discurso e a prática do povo existe um abismo social.
            O mito da democracia racial consolidou-se com a obra de Gilberto Freire, Casa Grande e Senzala, quando esta ganhou status científico passando a ideia de uma transição dentro da sociedade brasileira de forma otimista, sem conflitos étnicos em que o senhor aparecia benevolente e disso resultaria natural e gradativa ascensão do mestiço (mulato) na sociedade brasileira.
            Apesar dessa constatação o mito da democracia racial surgiu anterior à obra de Freire, mas foi a partir da abolição e da Proclamação da República que foi possível pavimentar o cenário de maneira a conformar a consciência coletiva no imaginário da sociedade brasileira.
            Nos dias atuais, o mito apoia-se ainda sobre a ascensão do mulato e reconhecimento social do mestiço no Brasil.
            Dito isso, é sempre bom termos em mente a emergência de confrontarmos opiniões diversas e plurais a fim de encontrarmos soluções com a finalidade de superar estereótipos e estigmas infelizmente ainda enraizados na sociedade brasileira, e porque não dizer no mundo, já que se trata de buscarmos e quem sabe um dia, possamos dizer de verdade, sem hipocrisia, que nos reconhecemos como irmãos neste planeta.  



[1] BERNARDINO, Joaze  (2000). “Ação Afirmativa no Brasil: A Construção de uma Identidade Negra?”. In Caetano E. P. Araújo et alii (orgs.), Política e Valores. Brasília, Ed. da UnB.
(1999). Ação Afirmativa no Brasil: A Construção de uma Identidade Negra?. Brasília. Dissertação de Mestrado em Sociologia, Universidade de Brasília.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Breviário do poder em Foucault

      "O poder não é um objeto natural, é uma prática social", é assim o poder para Foucault. Foucault afirmou que o discurso tido como verdadeiro é portador de poder. Mas, por outro lado, ele concebeu o poder como luta. O poder não possui, assim, uma identidade própria, unitária e transcendente, mas está distribuído em toda a estrutura social e é sempre produzido, socialmente. 

     Para Foucault, todo poder se define pela obediência e toda dominação pelo seu efeito. Sendo assim, Foucault distingue a forma que se expressa o poder de obediência. Para o Filósofo Francês, o poder delineia o limite à liberdade e quem deseja entender o poder precisa entender a ideia de direito, pensar o poder sem rei, pensar o poder sem o Estado, para Foucault, o Estado é a configuração final do poder mas não única.

      Poder para Foucault é o correspondente às estratégias cujo arcabouço geral se cristaliza quando toma corpo na elaboração das leis e do Estado. A compreensão poder-estratégias deriva da ideia de que o poder não está no Estado, mas provem da família, do Estado, das instituições e de todos os lugares; assim Foucault rejeitou e desconstruiu a concepção política jurídica que dá proeminência ao poder no Estado. A relação poder-política corresponde a dizer que o poder é estratégias, provém de vários lugares, transcorre diferentes situações.

          Foucault revelou em sua análise, que o discurso é uma forma de poder, no sentido de uma força capaz de sujeitar as pessoas e de canalizar as emoções e razões. O conhecimento se reveste, na análise de Foucault, em objeto de poder. Para ele todas as formas de repressão se completam facilmente do ponto de vista do poder, mas as pessoas só percebem as realidades próximas. Foucault afirmou que o poder é prolixo, mas há todo um investimento de desejo de poder, a relação entre poder e interesse é muito importante.
Sua preocupação fundamental é com a articulação entre saber, poder e verdade. Em sua obra, Microfísica do Poder, assim apresentou: 

           “a verdade não existe fora do poder ou sem o poder (não é — não obstante um mito, de que seria necessário estabelecer a história e as funções — a recompensa dos espíritos livres, o filho das longas solidões, o privilégio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo, ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua «política geral» de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.” (p.12)

            Foucault aponta o entrelaçamento do saber no poder. Contudo, como esse entrelaçamento foge à compreensão quando examinado sob uma perspectiva que problematiza a relação entre ciência e poder. Foucault opta por uma via mais incisiva. Ele parte de um conjunto de argumentos determinantes em sua obra Vigiar e Punir: 

             “o poder produz saber; poder e saber estão diretamente implicados; não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber; também não há saber sem que haja ou se constituam, ao mesmo tempo, relações de poder. Temos antes que admitir que o poder produz saber (...); que poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo, relações de poder. (...) Resumindo, não é a atividade do sujeito de conhecimento que produziria um saber, útil ou arredio ao poder, mas o poder-saber, os processos e as lutas que o atravessam e que o constituem, que determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento.” (p.30 ).

            Em minha opinião, o mais importante em Foucault, em se tratando da análise do Poder, é o fato de ele ter se interessado no elemento estratégico do poder e, em função disso, ele afirmou que a repressão é produtiva, uma vez que, através de sua ação sobre o corpo do indivíduo, ela evita que percebamos o poder em sua forma angustiante de violência e cinismo. Ao dissimular os mecanismos do poder, os dispositivos, segundo Foucault, fazem com que apareça como elemento remoto, destacado; A análise de Foucault admite que se compreenda o fato político de o Estado não ser o único lugar de onde brota o poder, ele nem é a fonte do poder.

          Foucault aponta que esses micro poderes não estão situados em nenhum lugar específico da estrutura social; eles se encontram nessa rede de dispositivos de que ninguém escapa. Foucault afirmou que o poder não é algo que alguém detém como uma propriedade; o poder é exercido. Deste modo, não existe O Poder, mas práticas ou relações de poder.

          Do ponto de vista de Foucault, o poder, para ser eficaz deve produzir uma positividade, de tal modo que o desdobramento da vida social tem, como preço, o adestramento do corpo, Seu “disciplinamento”, hoje podemos compreender Foucault com mais clareza, muito do que este brilhante filósofo nos ensinou, principalmente acerca dos dispositivos, da repressão e do bio-poder, em Vigiar e punir Foucault afirmou que devemos deixar de descrever sempre os efeitos do poder em termos negativos, porque para ele o poder produz; produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade.

Resenha do filme "O senhor das moscas"

Por Bianca Wild


    O trabalho docente exige que constante estejamos procurando novos métodos, dispositivos pedagógicos e nos atualizando, há algum tempo decidi trabalhar em sala de aula com dinâmicas, filmes, documentários e internet, e como de costume procuro filmes que acrescentem na compreensão dos conceitos e temas que são abordados nas aulas de sociologia e filosofia. O senhor das moscas é um desses filmes, que só tem a acrescentar.

      O filme é baseado no livro homônimo de  William Golding, vencedor do Prêmio Nobel em 1983. É geralmente lembrado como um clássico da literatura do pós-guerra, foi publicado em 1954. Foi adaptado para o cinema em 1963 por Peter Brook, mas utilizei a refilmagem de 1990 dirigida por Harry Hook. O filme conta a história de um grupo de meninos de uma escola militar que vão parar em uma ilha deserta devido a um acidente aéreo, que se veem sozinhos sem a presença de um adulto, pois o piloto acaba se ferindo gravemente e vindo a falecer.

      Ainda não conclui a leitura do livro, mas pelo que já li acredito que a produção não é infiel a obra, quer dizer, a ideia central permanece, contudo o contexto histórico e social em que se passa a história contada no livro e a da refilmagem de 1990 é completamente diferente, tanto que os meninos no filme falam sobre TV, sobre a série Alf  (anos de 1990) e programação televisiva em geral, o que não era muito comum nos idos dos anos de 1950.

      Podemos dizer que o filme e o livro retratam a regressão à selvageria, trata-se de um trabalho de filosofia moral, fazendo uma crítica específica do caráter humano e, sobretudo da relação homem/sociedade, lembrei-me de Rousseau “Todo homem nasce bom, e a sociedade o corrompe” será?. Com toda certeza é uma das mais significativas produções sobre a natureza humana, suscitando reflexões sobre a “civilização”, a sociedade e o seu papel na formação do ser humano. Isso fica claro quando passada a euforia dos meninos, por estarem em uma ilha, “livres” das regras, da escola, dos pais, professores etc., inicialmente os meninos designam um líder, Ralph, eleito em assembleia pelo grupo, como representante ele tenta estabelecer regras para o convívio buscando melhorar as condições na ilha, e organizar as tarefas e atividades, justificando que precisam alimentar-se, proteger-se das condições climáticas e, além disso, precisam sinalizar a sua presença ali para que o socorro seja possível, Ralph também institui uma regra para que cada integrante possa se manifestar, utilizando uma concha, deste modo todos poderiam falar, neste caso a concha representaria a ordem e a democracia na ilha.

       A personagem Jack e seu grupo se opõem claramente as ideias propostas por Ralph, e daí inicia-se um conflito, Jack nomeia seu grupo de “os caçadores” e afirma que devem apenas dedicar-se a caça e a diversão, prometendo soluções fáceis e contentamento, recusando-se a participar dos trabalhos rotineiros que devem ser de responsabilidade da coletividade segundo Ralph. Jack representaria a barbárie, o lado negro da humanidade.

      Formam-se então dois grupos, o grupo que busca sobreviver a partir dos ensinamentos adquiridos na vida em sociedade, liderado por Ralph e o grupo que quer aproveitar cada instante sem pensar no amanhã, sem regras, sem solidariedade, sem medir as consequências de seus atos, enfim, sem limites. As diferenças entre os grupos liderados por Ralph e Jack respectivamente começam a ficar explícitas quando percebemos e podemos classifcar o grupo de Jack como sendo mais instintivo e o de Ralph mais racional. Ralph poderia representar a democracia, uma vez que ele é o líder por escolha da maioria e tenta tomar as decisões que beneficiem a todos ou o governo, a ordem e a responsabilidade e Jack poderia representar o fascismo, uma vez que é cruel e pretende controlar a todos na ilha por meio da força, impondo-se com violência.

       O conflito entre os impulsos bárbaros de Jack e a racionalidade de Pig passa a causar problemas para Ralph, que representa a consciência, pois tenta agir com clareza para obter seu maior objetivo: ser resgatado.

       Logo no início do filme Ralph, tentando acender uma fogueira para sinalizar a presença deles na ilha e assim viabilizar o resgate o quanto antes, percebe que poderia usar as lentes dos óculos do personagem Pig. Ralph é um menino esperto, engenhoso e organizado, enquanto Jack que lidera o outro grupo é agressivo, claramente comodista, aproveitador e oportunista, os momentos de tensão do filme começam quando Jack, precisando de fogo para assar um javali que seu grupo capturou, invade o acampamento do grupo de Ralph, ofende e agride, deixando Pig apavorado exigindo que ele entregue seus óculos, o fogo simboliza a utilidade, um meio para um fim, o qual, quando usado de modo incorreto, se torna um fim em si mesmo.

      A seguir um dos garotos do grupo de Jack, “os caçadores”, durante a caça, separa-se do grupo e encontra alguém em uma caverna, que acredita ser um animal, um monstro, ataca o suposto monstro com sua lança, foge apavorado e conta aos seus amigos, que vão verificar e conseguem ouvir sons vindos da caverna, sons medonhos, assustadores, e passam a acreditar que devem temer esse monstro, Colocam logo a baixo da caverna uma cabeça de javali, como uma espécie de proteção, ou advertência ou mesmo um presente. A existência de um monstro pode servir para explicar todo o processo vivido pelos meninos na ilha. 

     Jack, manipulador, usa o monstro para poder trazer os outros garotos para o seu lado, em meio uma situação onde não existem adultos para manter regras e em uma selva que guarda muitos mistérios, a existência de um ser que é desconhecido pela maioria, provoca medo e torna os outros influenciáveis e como Jack é quem incita a caça e demonstra força, vence Ralph facilmente na preferencia dos meninos, devido a fragilidade e insegurança dos meninos. Jack concluiu que existia um monstro na ilha e que eles deveriam temê-lo. No filme isto está bem exemplificado na hora que Jack tem a ideia de oferecer a cabeça do primeiro Javali caçado para o monstro, que moraria na caverna. 

     Nota-se que o grupo de Jack dedica grande parte do seu tempo confeccionando armas, e, acabam desenvolvendo ritos e realizam sacrifícios; em uma cena impressionante, ao redor de uma fogueira, os meninos agem de modo considerado bárbaro para apavorar Ralph e Pig que foram convidados para o “banquete” de javali. A cena mais chocante do filme acontece em seguida, quando Simon, após ir até a misteriosa caverna e verificar que o monstro era na verdade um homem é cruelmente atacado pelos meninos do grupo de Jack com suas afiadas lanças e morre de forma brutal, Simon poderia representar a fé e a religião, também devido aos diálogos protagonizados por ele em algumas cenas, no livro as personagens são mais expressivas, no filme destacam-se mais Ralph, Jack, Pig e os gêmeos Sam e Eric. O mais impressionante é que os meninos, “os caçadores” não demonstram remorso ou arrependimento diante do acontecido, a morte do até então seu amigo, Simon, sumariamente assassinado por eles mesmos.

      Os elementos externos, como a necessidade de sobrevivência em uma ilha, longe do que entendemos como civilização, ocasionam a mudança de comportamento dos garotos, tornam-se totalmente guiados pela natureza instintiva que os leva a cometer atos socialmente inaceitáveis em uma civilização. Devemos ressaltar que Jack foi enviado para a escola militar devido ao fato de ter “emprestado” o carro de um vizinho, revelando desvio de caráter do menino, o que de certo modo justifica o total desprezo desta personagem pelas regras, pela moral, pela ética e pelo bom convívio. 

      Esses meninos, ao verem-se longe do que entendemos por civilização desrespeitam as leis que conheciam antes de chegar a ilha, com exceção do grupo de Ralph, inicialmente, e chegam até a matar uns aos outros. O medo do desconhecido faz com que o grupo de Ralph encolha, até que todos os meninos abandonem o grupo, até mesmo Sam e Eric, que poderiam representar as pessoas que são impressionáveis, e que tendem a não pensar por si mesmas, exceto Pig. A querela dos líderes (Ralph e Jack) no enfrentamento das adversidades, da busca pela sobrevivência é o ensejo dos conflitos e divisões. 

       O filme é uma preciosidade para aulas de sociologia e filosofia, pois a partir da análise desta produção várias questões podem ser discutidas, democracia, fascismo, moral, ética, organização social, liderança, barbárie, limites, regras, socialização, o limiar do humano, do racional etc. 

       “Se não pode com ele, una-se a ele” essa máxima fica evidente no filme quando todos abandonam Ralph. Ao procurar o acampamento de Jack, para tentar negociar a devolução dos óculos de Pig, Ralph em posse da concha, que simboliza o que seria a sua vez de falar não tem sucesso e Jack despreza essa regra completamente rompendo os vínculos que o prenderiam a vida em sociedade e entra em um embate corporal com Ralph. Segue-se uma das cenas mais comoventes, a morte de Pig,  também cruelmente assassinado pelos amigos, que jogam uma pedra enorme em cima do menino enquanto este profere um discurso pretendendo buscar a harmonia entre eles, 

       Pig poderia representar a ciência, a diplomacia, uma vez que ele age de modo lógico, diplomático. O Senhor das moscas é uma obra que se aprofunda em conceitos básicos para a formação humana, trata de um tema delicado que é a formação do caráter, da moral em relação às condições oferecidas para que a pessoa se mantenha dentro de parâmetros aceitáveis pela sociedade.

       "O homem é o único ser capaz de fazer mal a seu semelhante pelo simples prazer de fazê-lo". (Schopenhauer) O que torna a história intensa não são apenas os conflitos que geram descontrole e morte, mas o fato de cada indivíduo travar uma guerra em seu interior contra os seus instintos mais primitivos que podem ser controlados vivendo sob a égide de regras morais rígidas, leis, e quando se tem um aparelho psíquico bem estruturado. Longe dos códigos que regulam a sociedade dos adultos, esses jovens concebem uma nova sociedade, alicerçada unicamente nos recursos naturais da ilha e em seus medos, limitações, dúvidas, anseios e fantasias.

Resenha do Filme Germinal

Por Bianca Wild


   O filme germinal caracteriza perfeitamente o processo de produção do trabalho do modelo capitalista, a expansão do chamado capital, mostrando assim de uma forma bem clara os opostos entre as necessidades humanas e as materiais. O filme se passa na França do século XIX e transmite muito bem aquele determinado momento histórico e seu contexto social, econômico e político e é claro cultural e para obtermos uma análise satisfatória se torna necessário o conhecimento dos antecedentes da revolução industrial presentes nele.O filme é baseado no romance de Émile Édouard Charles Antoine Zola. 


     No inicio do filme um dos personagens não me lembro o nome ao certo, talvez o personagem de maior expressão devido ao seu espírito contestador e revolucionário, está desempregado e chega até a companhia de mineração a fim de conseguir empregar-se, se depara com um outro senhor o qual é pai do personagem de Gerard D’epardieu, que na verdade não é tão senhor assim, mais devido às condições de vida as quais foi exposto desde os 8 anos de idade trabalhando na mina possui uma saúde bastante debilitada, pode-se observar isso pela sua tosse constante e pela visível intoxicação, toda a sua família trabalha também na mesma mina; o personagem recém-chegado a procura de emprego se choca com as dificuldades das condições de trabalho, constituída de pura exploração e pobreza, o personagem de Gerard D’epardieu por ser um funcionário mais antigo e respeitado consegue arranjar-lhe uma vaga devido à morte de uma outra companheira de trabalho.


    Todos os membros das famílias trabalham, desde crianças até os mais idosos, porque precisam dos míseros salários para assim juntos conseguirem a subsistência de todos, sendo assim necessário quando acontece uma morte substituírem rapidamente o membro perdido no trabalho, pois, mesmo sendo uma só renda perdida reflete-se no sustento de todos os outros.Só os bem pequeninos não trabalham.A pobreza dos personagens é evidente, a situação em que vivem é quase calamitosa, a cozinha não tem nada de comer, as crianças pedem comida, pão, a água causava-lhes cólicas devido às condições precárias as quais era armazenada.


    A mina aparenta ser bem profunda, tipo mais de quatrocentos metros, os carros dela descem com cinco operários, as condições de trabalho são de enojar, vivem em regime de exploração constante, as mulheres ficam desesperadas por não terem o que dar de comer as crianças, e se endividam com um comerciante inescrupuloso e espertalhão, este nem sempre esta disposto a permitir crédito, devido o pagamento freqüentemente estar atrasado, mas costuma aceitar favores sexuais em troca de comida, as mães desesperadas com a fome aceitam tal aproveitamento cedendo suas filhas ou a elas mesmas ao promíscuo e depravado comerciante.


    Aparentemente, a região possui 13 minas, as quais não se conhecia os seus donos, estes não estavam preocupados com o que acontecia aos operários, e sim com a economia, com a política afetando seus lucros, e com a eclosão de greves demonstrando a lógica capitalista da acumulação. O personagem de D’epardieu foi multado por não ter escorado perfeitamente um possível desabamento, mesmo não tendo sido proporcionado a ele condições satisfatórias para um trabalho bem feito.Além de terem sido multados devido ao escoramento mal feito, os salários haviam sido diminuídos devido à suspensão dos pedidos de ferro para exportação e essa situação é repassada injustamente aos trabalhadores.


     O trabalhador recém chegado estimula os outros a começarem um fundo de reserva a fim de iniciarem uma greve reivindicando aumento de salários e melhores condições, cada um dando uma determinada contribuição para isso, e encorajam-se a iniciar a greve.Eles tentam falar sobre as suas reivindicações com o diretor geral da mina, não obtendo sucesso, pois este arruma várias desculpas para justiçar a permanência do funcionamento delas (as minas) pondo as companhias como se estivessem na mesma situação de precariedade dos seus trabalhadores a partir da exposição das situações de “quebra” delas, desejando que eles culpem os fatos e a conjuntura econômica pelas suas situações. 

   Pode-se observar o contraste de situações, entre patrões (donos dos meios de produção) e empregados (trabalhadores-mercadoria) a partir de um jantar de noivado que acontece no decorrer do filme na família de um dos donos, comida farta, alegria e tranqüilidade, nota-se também que o noivado é quase como um negócio, pois é baseado no interesse de fusão de capitais, além das relações de interesse mantidas entre os “burgueses” até entre seus familiares, pois a esposa do dono da mina mantém um caso extraconjugal com o sobrinho de seu marido.


   A situação se agrava, pois a companhia contrata trabalhadores da Bélgica e ameaça despedi-los caso a greve permaneça, alguns trabalhadores temerosos e famintos querem retornar ao trabalho outros tão engajados preferem morrer a abandonar a causa.Daí os grevistas vão até as minas em funcionamento, as destroem, as inutilizam temporariamente com a paralisação de elevadores, bombas etc., além de agredirem os que permaneceram trabalhando, gerando conflitos seguidos, o que causa a necessidade para os proprietários das minas de segurança, acabam ocorrendo mortes, as mulheres também se revoltam com a situação e a mais estimulada com a causa é a esposa do personagem de Gerard D’epardieu, vão até a mercearia do aproveitador e a saqueiam, este desesperado foge para o telhado e acaba caindo, não satisfeita, uma das mulheres que havia sido humilhada por ele e tomado de fúria e desespero, o mutila demonstrando muito bem a revolta contida no interior dessas pessoas, estes conflitos também causam a morte do personagem de Gerard, pela escolta da mina a qual eles desejavam paralisar também.


     A partir destas passagens do filme posso concluir, que para a compreensão do filme é necessária uma analise das relações de trabalho, isto é, a miséria a que eram expostos, a relação deles com as máquinas, a relação entre capitalistas e operários, o surgimento de greves e do sindicalismo, anarquismo e socialismo. Essas questões sociais são etapas históricas, na França nessa época, no inicio da revolução industrial, muitas pessoas viviam do trabalho manual, como nos demais paises europeus, estavam ainda ligadas às formas de produção anteriores, e foram obrigadas a habituar-se com as novas condições, estando também assim presos aos donos dos meios de produção, tendo assim que vender a sua força de trabalho, para conseguirem sobreviver, isto é, o trabalho vira mercadoria.


     Devido aos chamados "cercamentos" e de outros fatores os trabalhadores migraram para os centros onde se expandiam as industrias afim de conseguirem se empregar, sendo que, com o decorrer desta situação o que era escasso, a mão-de-obra, se tornou excedente daí a desvalorização do trabalho que expunha os trabalhadores as condições mostradas no filme de precariedade e salários inaceitáveis com cargas horárias desgastantes de 16 horas ou mais diárias,causando a necessidade do trabalho do trabalho infantil para as famílias conseguirem sobreviver, vale a pena lembrar que mesmo estando expostos a possíveis acidentes de trabalho, os trabalhadores não recebiam seguro e não recebiam se ficassem sem trabalhar devido a estes, além de também não receberem quaisquer tipo de benefícios, este sistema fabril apareceu para “organizar” o processo de trabalho, isto é organizar em partes, apenas para garantir a dominação do capital sobre o trabalho, organizando um controle social.


    O novo processo de produção utilizando as máquinas, foi em cheio na organização familiar operária em respeito econômico, a necessidade de manter operários ao redor das máquinas criou a situação de ter que “sair para o trabalho”, homens mulheres e crianças inclusive e ainda se tornavam mais presos a seus patrões pelo fato de suas casas pertencerem a eles, como no caso do filme. 



    A revolução industrial foi um processo construído com o tempo, ainda no século XVI já haviam empresas capitalistas promovendo o comercio europeu mundialmente, ocasionando a revolução comercial, que se segue da primeira fase da revolução industrial em meados do século XVIII segue até o século XX, pode-se ver de forma explicita no filme o inicio das revoltas populares, pois desde o início do capitalismo, da sua implantação lá no século das grandes navegações, do capitalismo comercial, ele dá origem a profundas contradições e injustiças, marcadas pela forma de como era explorada brutalmente a mão de obra operaria inclusive infantil sem oferecer direitos, o que com certeza fez eclodir a partir dos mais conscientizados as tensões sociais, sistemas sócio-econômico-políticos alternativos, a organização de sindicatos e etc., 

    Esses foram acontecimentos mostrados no filme, muito bem expressos em questões cronográficas pois mostra muito bem o inicio das revoltas na França que estavam se expandindo pela Europa durante o mesmo período, e a disseminação dessas idéias comunistas, sindicalistas, socialistas pelo mundo, nem sempre bem aceitas pelo próprio proletariado temeroso com as suas conseqüências, como no caso do marido da filha do personagem de Gerard que quando consegue uma melhor colocação na companhia abandona a causa, bom como Marx disse: “era necessário uma consciência de classe para o início de uma real revolução por parte do proletariado.”

Questão racial e etnicidade de Lilia Moritz

Por Bianca Wild


      “No Brasil produziu-se a forma mais perversa de racismo que existe no mundo”. A afirmativa dita e repetida muitas vezes por lideranças do movimento negro chega a ser espantosa para a sociedade brasileira, que desde o final do século passado acostumou-se a se representar por meio da imagem de um paraíso racial.

     Ao lermos o texto de Lilia Moritz Schwartcz percebemos que entender a “questão racial” significou enfrentar o tema da identidade; pensar em particularidades locais. De acordo com a autora não há como analisar a produção que se debruçou sobre a “questão racial no Brasil” sem perguntar sobre a especificidade dessa temática em meio a esse contexto marcado desde a sua formação, como uma sociedade multiétnica e de raças “cruzadas”.Criado por elites brancas e, trabalhosamente inscrito e enraizado no imaginário social, inclusive com a colaboração de notáveis cientistas sociais, o mito da democracia racial que se supõe existir no Brasil foi, provavelmente, um dos mais poderosos mecanismos de dominação ideológica já produzidos no mundo. Apesar de toda crítica que a ele foi feita, até então permanece bastante atual. Por meio dele ressalta-se o caráter miscigenador da sociedade brasileira: um povo mestiço, misturado, tolerante, aberto aos contatos inter-raciais.

     Contudo, para esclarecer melhor como a crença na suposta democracia racial vai sendo produzida no seio da sociedade brasileira, temos que remeter ao contexto em que se deu a abolição. É importante ressalvar que a ideia de abolir o regime escravocrata não surgiu no Brasil, é uma idéia que veio de fora e como tudo o que nos é externo, ganhou força, à medida em que seduziu aqueles que ambicionavam o progresso do país. Os seduzidos pela ideia formaram o movimento abolicionista, no final do século XVIII o abolicionismo ganhou força chamando a atenção do mundo para os horrores da escravidão do povo negro, desenvolvendo uma ideia mais “humana” dos negros, como se até então eles não fossem humanos ou pelo menos não percebessem esse fato. Em compensação, os defensores do trabalho escravo justificaram o tratamento dos escravizados com argumentos racistas, eles sustentaram a ideia que pelo fato do negro ser inferior em essência, a condição de escravo lhe era natural. 

  Deste modo há uma relação direta entre o avanço dos movimentos abolicionistas e o desenvolvimento das teorias racistas, pois o aproveitamento do raciocínio científico para a compreensão da raça e do surgimento das tipologias raciais ocorreu a partir de 1790, e ganhou força, tornando-se defesa “racional” para a escravidão e deu força à ideia de que os povos negros eram naturalmente adequados à servidão e ao trabalho. Nesse período foram difundidas as bases da doutrina que mais tarde alegou ter status “científico” enumerando os argumentos que afirmam explicitamente que as características biológicas das pessoas determinavam as características psicológicas e culturais, ou seja, atribuiu-se uma relação determinista entre um grupo e suas supostas características.

   Nesse contexto, o critério “cor” passou a ser muito útil, pois houve a necessidade do estabelecimento de barreiras mais precisas que evitassem a “humanização” dos escravos africanos. A pele branca foi imbuída de novos significados como um meio de controle. À crença da superioridade dos brancos foi dado status de ciência, e o domínio europeu da maior parte do mundo reforçou isso. Inventou-se o conceito de “brancura” que significava superioridade e privilégio, qualquer cor de pele que não possuísse a qualidade da brancura seria desvalorizada e os seus possuidores transformados nos “outros”.

     Somente com o movimento abolicionista é que o negro é integrado às preocupações nacionais, até porque o sistema escravocrata não permitia a entrada do progresso, sendo uma barreira ao avanço econômico, político e cultural do país.É então sob a ótica racista amparada pela “ciência” que vão sendo tecidas as culturas brasileiras. A miscigenação aparece como única saída para resolver o grande “dilema” que se impõe: como aspirar ao progresso e ao desenvolvimento, se a maioria da população está condenada ao atraso, conforme as teorias científicas racistas? A ordem, portanto, era injetar o “sangue branco” e cada vez mais branquear a população, os abolicionistas pertencentes à elite urbana começam a pensar no “branqueamento” do Brasil, pois acreditavam na supremacia do “sangue branco”.

   A questão da mestiçagem apareceu destacada como elemento revelador de uma conformação nacional original de acordo com Lilia Moritz ;uma representação que se colou a um discurso acerca da identidade.Historicamente tratava-se desde os primeiros anos de independência de criar uma nova identidade, diferente da antiga metrópole. Um estado sem ser nação, no país a temática do que fez do “Brazil, Brasil”, a pergunta sobre identidade sempre se revelou estratégica e, portanto acionada nos momentos mais angulares.

    Desde o inicio da colonização no país, sua “originalidade” foi cantada pelos inúmeros viajantes e depois naturalistas que estiveram no local, país da “grande flora”, mas também de tantas raças ressalta Moritz. Não só a existência de grupos indígenas despertava a curiosidade dos viajantes, como também chamava a atenção o sistema escravocrata que permeava a sociedade como um todo, estavam aqui concentrados muitos grupos que interessavam a antropologia mundial: sociedades indígenas, concentrações de negros e mestiços.

    Esse tipo de reflexão levou de maneira freqüente a assumirmos uma posição em relação a nacionalidade.Apesar das diferentes tradições é possível dizer que a produção brasileira sobre o tema primou por definir-se em função de seu objeto, concretamente definido como índios, negros ou brancos entendidos nesse momento como grupos minoritários e imigrantes (oliveira,1988).

       O ideal de “branqueamento” foi sendo estimulado, o que comprovou ser o Brasil uma sociedade multirracial e que, ao contrário dos Estados Unidos, não possuía barreira de cor institucionalizada.A tese do “branqueamento” baseava-se na suposta superioridade branca, às vezes substituída pelo eufemismo de “raças mais adiantadas” em oposição às “raças menos adiantadas” e ainda pelo fato de deixar em aberto a questão de ser a inferioridade inata. O que não é dito claramente também, é que não se deve falar da questão racial por não ser considerada relevante, na medida em que deixaria de existir pelo desaparecimento do próprio negro, que gradualmente seria absorvido pela raça branca. Miscigena-se, portanto, para “embranquecer” jamais para “empretecer”. Com esses princípios, com essas crenças, convive a sociedade brasileira em parte até hoje.

    A superficial arrumação da sociedade brasileira como sendo o “paraíso racial” não significa que não tenha ocorrido resistência por parte da população negra ao modelo de dominação. A formação dos quilombos e a participação dos negros em todas as insurreições ocorridas no país no século XIX demonstram essa resistência, o que não quer dizer que as populações indígenas não tentaram resistir, porém não obtendo tanto êxito, além do fato de os mesmos já serem exterminados antes mesmo de os escravos africanos terem sido trazidos para o Brasil. 

    Podemos assegurar que a história do povo registra-se numa narração que inclui migrações e travessias, nas quais a vivência do sagrado de um modo particular constituiu-se num índice de resistência cultural e de sobrevivência étnica, política e social. Os africanos arrancados à força de seu continente e transplantados para a América foram destituídos de tudo, inclusive de sua humanidade, transformados em mercadorias, “coisificados” um processo a qual alguns denominam de desafricanização e desumanização. Neles imprimiu-se os códigos do europeu, que deles se apossou, na condição de senhor. No entanto, esses africanos que cruzaram os oceanos não vieram sós; com eles vieram suas divindades e seus diversos modos de visão do mundo, sua alteridade lingüística, artística, étnica, religiosa, suas diferentes formas de organização social e simbolização do real, os indígenas tentam manter suas tradições, até hoje, porém encontram-se em número muito menor, devido a imposição da cultura comportamental do branco, a fragilidade natural dos mesmos, a ocupação de reservas e destruição das mesmas, tudo isso influenciou para o “quase” desaparecimento do índio nativo e o conseqüente desaparecimento de sua cultura.

      A natureza do saber, sobretudo antropológico, ficou historicamente subordinada a natureza de seus objetos reais, com todos os equívocos que esse tipo de posição possa acarretar, segundo Moritz impõe-se duas vertentes que ordenavam toda uma agenda de trabalho: a etnologia indígena e a antropologia da sociedade nacional; populações negras pela rubrica da “questão racial”. A reduzida intelectualidade brasileira nutriu-se das produções e olhares externos, e introduziu uma inflexão ao vincula-la aos destinos da nação.Sendo assim raça era um conceito fundamental, na medida em que permitia naturalizar as diferenças e explicar por meio da biologia a própria hierarquia social. De acordo com Moritz, os autores Rodrigues, Romero e Lacerda acabaram influenciando o debate, hoje talvez ainda mais particularmente marcado por duas interpretações até certo ponto opostas, porém que retomam desafios semelhantes: como perceber e descrever uma certa originalidade na conformação e convivência racial no Brasil, sem essêncializa-la e sem descuidar e desconhecer as profundas desigualdades existentes no país.

     “Essa tal originalidade” foi sempre pensada tendo como parâmetro de comparação os EUA, um país de dimensões continentais, como o nosso, e que contou com uma experiência semelhante ao menos na região sul (Carolina do Sul, Maryland etc), no sentido de utilizar amplamente a mão de obra escrava africana, cultivar a monocultura exportadora de algodão dentre outras semelhanças em seu sistema começando também pela exterminação do indígena nativo.

      Nos anos de 1930 estava em curso um movimento que negava, não só o argumento racial como o pessimismo advindo das teorias Darwinistas que detratavam a miscigenação, neste momento era evidente a atuação e produção intelectual do movimento sanitarista que em finais dos anos de 1910 e inícios da década de 1920 deslocava o argumento da raça para a higiene e para a educação. A cultura mestiça despontava nas teorias da época e na representação oficial da nação, ao lado do debate sobre o nacional popular, nesse contexto uma série de intelectuais ligados ao poder público passaram a pensar em políticas culturais que viriam de encontro a “uma autêntica identidade brasileira”, com esse objetivo foram criadas ou reformadas instituições culturais que visavam “resgatar” o folclore, a arte e a história nacionais e projetos oficiais foram implementados no sentido de reconhecer na mestiçagem a verdadeira nacionalidade.

     Em 1933 Gilberto Freyre ao publicar “Casa grande e senzala” fez da mestiçagem uma questão nacional e distintiva, com uma certa concepção culturalista e uma determinada releitura positiva do mito das três raças formadoras da nação; manteve em sua obra os conceitos de superioridade e de inferioridade, porém, não deixou de descrever a violência durante o período escravista, em sua interpretação, o cruzamento de raças é um fato que singulariza a nação, nesse processo que fez com que a miscigenação parecesse sinônimo de tolerância e hábitos sexuais da intimidade se transformassem em modelos de sociabilidade. 

     A obra de Freyre foi elevada rapidamente ao papel de “gênese da nacionalidade” paralelamente a um processo de desafricanização de vários elementos culturais, simbolicamente clareados.Um exemplo disto, segundo Moritz está na escolha de nossa senhora da Conceição Aparecida para padroeira do Brasil sob o “slogan” “mestiça como os brasileiros”.Nesse momento de nacionalização, uma série de símbolos vão virando mestiços, assim como uma animada convivência cultural miscigenada torna-se modelo de igualdade racial, partindo assim de uma tese culturalista, que desqualificava o argumento biológico, mas também pouco falava das determinantes econômicas, Freyre encontrou no Brasil um resumo da personalidade portuguesa, que na colônia, frutificava ao lado de outras culturas sem no entanto deixar de hierarquizar os grupos e suas diferentes contribuições, carregando e afirmando o mito da “democracia racial”.

      Nos anos de 1950 e 1960, a evidente desigualdade das relações que se estabeleceram entre brancos negros mobilizaram uma série de pesquisas, e segundo os autores destas pesquisas, a alentada democracia racial ”disfarçava” uma evidente descriminação, uma divisão que não era racial ou cultural, mas, sobretudo econômica. A segunda guerra mundial já havia revelado os usos inesperados do conceito ontológico e determinista de raça, e a UNESCO pretendia tomar a dianteira no sentido de retomar ”um debate mais humanista” e contraposto ao enfoque biologizante, três grandes atividades foram promovidas pela instituição, a convocação de uma reunião de antropólogos (físicos e culturais), bem como sociólogos com o intento de elaborar um manifesto a respeito do conceito de raça. O documento condenava o conteúdo racista da ideologia de estado nazista e disfarçava divisões dentro do grupo.

      “A primeira declaração sobre raça” apresentava em destaque a seguinte afirmação: ”raça é menos um fator biológico, do que um mito social, e como mito, causou graves perdas de vidas humanas e muito sofrimento em anos recentes”. O consenso momentâneo só pode ser entendido levando-se em conta o contexto do pós-guerra, ressalta Moritz, sendo que a critica alcançava ainda a persistência do racismo nos EUA e na África do sul, bem como os novos problemas gerados pela descolonização na África e na Ásia. A UNESCO publicou uma série de estudos sobre raça e relações raciais, com o objetivo de dar publicidade a questão, a terceira decisão da mesma, referia-se a realização de uma pesquisa sobre relações raciais no Brasil, onde uma série de análises giravam em torno do tema da convivência de raças diversas na formação do país.

   Confiante nas análises de Freyre e Pierson, de acordo com Moritz, a instituição (UNESCO) alimentava o propósito de usar o caso brasileiro como material de propaganda e com esse objetivo inaugurou o programa de pesquisas sobre relações raciais aqui. Tipo de abordagem que concebia o país como “um laboratório de civilização” (Arthur Ramos) ou “uma democracia étnica” ((Freyre) ou mesmo “uma sociedade multirracial de classes” (Pierson). A hipótese sustentada era que o Brasil significava um caso neutro na manifestação de preconceito racial e que seu modelo poderia servir de inspiração para outras nações cujas relações eram menos democráticas.

     Moritz menciona o fato que Florestan Fernandes abordou a temática racial a partir do ângulo da desigualdade, problematizou a noção de “tolerância racial”, contrapondo-a a um certo código de decoro que, na prática, funcionava como um fosso a separar os diferentes grupos sociais.Segundo a autora, Florestan notava ainda a existência de uma forma particular de racismo “um preconceito de afirmar preconceito”, a tendência do brasileiro seria continuar discriminando, apesar de considerar tal atitude ultrajante (para quem sofre) e degradante (para quem pratica).

     A amplitude da investigação, além de ter fortalecido um debate já constituído de estudos raciais no país, levou também, a mudanças significativas na reflexão, implicou a superação da discussão mais naturalista e determinista, que vinculava características físicas e somáticas a perfis morais e psicológicos, ainda em voga nos anos de 1930, houve uma maior institucionalização das ciências sociais no Brasil, também influenciadas pelo tamanho da empreitada. Percebeu-se uma mudança no enfoque nas pesquisas etnográficas que até então se dedicavam, sobretudo as análises da influência africana sobre as populações negras locais. A representação da antropologia ficou associada a estudos “reacionários” em função de seu enfoque que privilegiava a harmonia e o equilíbrio como função e por causa da seleção dos objetos, então considerados pouco relevantes para debate nacional.  

     Esses estudos foram importantes na desmontagem teórica do mito da democracia racial, em meio a um contexto marcado pela radicalização política, o tema racial aparecia como uma questão maior, por meio da modernização e da democratização que a questão entre outras, se solucionaria no Brasil e não a partir do enfrentamento de suas especificidades. A partir dos anos de 1970 uma guinada evidente ocorreu no sentido de os estudos convergirem para o “desvendamento da descriminação” na história, na mídia, nas diferenças no acesso a educação e ao lazer, na distribuição desigual de renda, estavam as marcas do preconceito que fugia da alçada oficial, mas era evidente no cotidiano.Nos anos de 1980 e 1990 percebeu-se que o preconceito de cor, não estava mais acoplado a uma questão econômica e social, ao contrário, persistia como um dado divisor social nos lembra Moritz.

     Podemos aqui, a partir da compreensão do texto de Moritz estabelecer uma relação com a concepção de Renato Ortiz sobre a identidade e cultura brasileira, pois ele relaciona alguns fatores primordiais as mesmas, como as teorias raciais já mencionadas, a mestiçagem nacional e a alienação, Ortiz buscou compreender como a questão cultural se estrutura atualmente no interior de uma sociedade que se organiza de forma completamente distinta do passado, como podemos observar no texto de Moritz, pois a medida que o capitalismo atinge novas formas de desenvolvimento, novos tipos de organização da cultura são implantados, concluímos então que a identidade nacional brasileira não é uma só, as suas dimensões políticas e culturais não tem caminhado juntas, nem remetem a uma mesmo espírito, ao contrário do que acreditava Gilberto Freyre, para quem a tolerância mutua que reina na área sociocultural das relações humanas devia traduzir-se com naturalidade por igual tolerância na área política, vemos que não é assim que as coisas funcionam, existe no Brasil uma forma política de conciliação, mas está longe de se definir por “tolerância” mutua repousa na agregação mais ou menos forçada do menos forte pelo o mais forte.

      No campo da sociologia, a desconstrução da noção de raça e o paralelo investimento no conceito de classe, alinhava essa disciplina ao lado das reivindicações políticas da época assim como ajudava no estabelecimento de campos distintos de análise. Tornou-se recorrente a máxima que sociólogos, cientistas políticos e historiadores ”costumam ver mudanças, desequilíbrio e revolução a mão visível das forças históricas onde os antropólogos vêem apenas “estrutura e cultura”.A antropologia corresponderia a grosso modo a estrutura enquanto a sociologia a mudança.Um racismo assistemático foi diagnosticado por Florestan Fernandes, segundo Moritz, o conjunto das pesquisas apontava para novas faces da miscigenação brasileira, sobrevivia como legado histórico um sistema enraizado de hierarquização social que introduzia gradações de prestigio a partir de critérios como classe social, educação formal, origem familiar etc., chamado por Florestan de “metamorfose do escravo” , o processo brasileiro de exclusão social teria se desenvolvido de modo a  empregar termos como “preto” ou “negro” em lugar da noção de classe subalterna. 

     Voltando a nos referir a Ortiz, lembramos que ele mostra como se estabeleceram mecanismos de reprodução quase que automática das desigualdades na sociedade brasileira. Apesar dos estragos que fez Ruy Barbosa em 1890 com a queima de documentos referentes à escravidão, muitos esforços tem sido desenvolvidos, no sentido de recuperar, por meio de fragmentos uma história que foi emudecida. A escravidão que existiu no Brasil faz parte do passado e do presente, já que se inscreve em nossos costumes, em nossas religiões mestiças e em nossos preconceitos. Como um “preconceito de ter preconceito”, na expressão do sociólogo Florestan Fernandes, temos o medo de falar de racismo e avistamos no outro o preconceito que está em nós. 

       É essa convivência entre dois pólos opostos - de um lado o mito da democracia racial, do outro, a representação de um país com larga experiência escravocrata - que dá ao Brasil uma forma peculiar e silenciosa de convivência racial. A ausência de conflitos raciais e a “boa convivência” entre senhores e escravos, além do mito da “democracia racial” reforçam um outro mito fundador da unidade nacional que é o “mito da cordialidade”.

    Os “mitos” que foram tecidos ao longo da história e neles, a sociedade brasileira acredita piamente, constituem-se formas refinadas de dominação da população negra e têm correlação com o tratamento “benigno”, “cordial” e paternalista que se apresentava como solução adotada quando o comportamento social do escravo exprimia-se segundo as expectativas herdadas da tradição: obediência, humildade e fidelidade.

    A crença nos “mitos” faz com que tenhamos uma leitura de naturalização de fenômenos que foram construídos histórico e socialmente. Pierre Bourdieu quando examinou os mecanismos pelos quais a ideologia toma conta da vida cotidiana, desenvolveu o conceito de “habitus”, a internalização de um conjunto de disposições duráveis que geram práticas particulares. Os indivíduos agem na sociedade de acordo com tais sistemas internalizados, o “inconsciente cultural”, o que explica que determinadas ações são regulamentadas e harmonizadas, sem que precise ser o resultado de obediência consciente a regras.

    Isso é o que acontece com o racismo brasileiro. Ele foi tão bem construído e encontra-se tão enraizado na cultura brasileira que podemos afirmar que somos racistas inconscientemente, ou que existe uma qualidade de acordo implícito em aceitar a pobreza e a miséria da população negra como algo natural. É certo que existem pessoas “não negras” pobres e que convivem com as pessoas negras nas periferias, nas comunidades carentes localizadas em grandes metrópoles brasileiras. Contudo, o “não negro” sabe de alguma forma que possui uma vantagem, pequena que seja, em relação ao negro que, por seu lado, sabe também que possui uma desvantagem em relação ao “não negro” e tudo isso é aceito de maneira implícita, sem que se precise de leis para regulamentar o “acordo”  imposto à população negra que para ser aceita pela sociedade tem que antes se “conformar” às regras do jogo, pois fomos habituados a rejeitar a ideia de conflito. 

    E assim caminha a sociedade, de olhos vendados, com os sentidos completamente anestesiados em relação a uma grande parte de sua população, que em princípio foi condenada previamente ao fracasso, dá-se, aí, o fenômeno que o sociólogo Robert Merton, denominou de “profecia autocumpridora”.Contudo, tão anestesiados estamos que ainda somos capazes de achar que o fracasso da população negra se deve a ela própria, transformamos a vítima em causadora de sua própria infelicidade. Somos ainda capazes de nos assustar e censurar quando descobrimos que o negro não gosta de ser negro. É claro que o negro brasileiro não deve gostar de ser negro – e isso acontece porque é ruim ser negro - o que não é apenas retórica, pois ele, o negro brasileiro, experimenta, no cotidiano, o quanto é ruim ser negro numa sociedade que lhe é inteiramente inóspita, podemos acreditar que algo vem mudando, que a condição do Nero em nossa sociedade pode estar se tornando mais aceitável, também devido a luta dos movimentos negros, de algumas ONGs, de intelectuais etc, porém ainda muito deve ser conquistado ou melhor deve-se fazer valer os direitos inerentes ao qualquer cidadão; principalmente ao cidadão negro que vem sendo destituído de todos mesmo com o advento da abolição da escravatura.

Resenha do Livro "Nisia Floresta" de Constância Duarte

       Por Bianca Wild

       Nísia Floresta Brasileira Augusta, ou melhor, Dionísia Gonçalves Pinto, nasceu em 12 de Outubro no Rio grande do norte em 1810 e, deve ser lembrada com orgulho, pois foi uma das primeiras mulheres no Brasil a romper os limites do “lar” e a publicar diversos textos, inclusive em jornais, o que na sua época não era comum, pois não víamos muitas mulheres instruídas além das “prendas do lar” necessárias para uma boa moça, que seria boa esposa  e boa mãe, sua contribuição para a educação feminina no Brasil é inquestionável. Vale a pena ressaltar que ela viveu e desenvolveu um respeitável trabalho como educadora e escritora no Rio de Janeiro Imperial, algo incomum em sua época, em se tratando de uma mulher. Pelo seu pioneirismo na fundação de um colégio para meninas, o colégio Augusto, cujo currículo possuía uma proposta inovadora no que concerne as disciplinas lecionadas, colocou seu estabelecimento de ensino no nível dos melhores colégios masculinos da Corte, e sua produção literária foi colocada na posição de precursora dos ideais feministas no Brasil, levando-se em consideração que em sua época a maioria das mulheres era analfabeta, Nísia era uma mulher erudita que militava pelo direito da mulher ao acesso à educação, contudo mantendo os limites do seu “bom senso”. Essas militâncias estiveram presentes em sua obra, fato que provocou desconforto na sociedade patriarcal na qual vivia, como nos conta magistralmente Constância Duarte.

      Contextualizando-nos, em relação à época em que Nísia viveu Constância nos esclarece, “Para a sociedade burguesa, o século XIX representava o ápice da civilização e, não era mais admissível que metade da população estivesse em situação tão inferior à outra metade, aos poucos foi se construindo um consenso em torno da ideia de que uma sociedade não poderia evoluir se não cuidasse da educação feminina, e não “treinasse” a mulher para participar, junto com o homem, dos progressos da técnica e das ciências, cabe mencionar aqui que a relação intrínseca entre o cuidado com a educação feminina e o adiantamento de uma nação foi a tese defendida por Nísia Floresta em “Opúsculo humanitário”, o progresso social de uma nação dependeria do grau de emancipação feminina e do lugar reservado às mulheres na sociedade, era o novo lema.”(DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta.Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)( alguns acréscimos meus)
Continuando a sua análise, Duarte afirma que “A educação passou a ser considerada, sobretudo na segunda metade do século, como o primeiro passo a ser dado para tirar as mulheres do estado de inferioridade em que a ignorância as havia colocado. As ideias liberais que circulavam em nossos meios políticos fizeram com que, após a independência, os primeiros legisladores do império estabelecessem o ensino primário gratuito e extensivo aos dois gêneros, como sendo uma responsabilidade do Estado. Mas as dimensões do país, as distâncias e o desacerto entre as províncias, contribuíram para dificultar sua implantação e motivaram a criação do ato adicional de 1834 que delegava a cada província a responsabilidade com o ensino primário e secundário, ficando a união responsável pelo superior. Tal medida foi decisiva para a desarticulação do ensino das primeiras letras no país, antes mesmo que este ensino estivesse realmente assimilado pela sociedade.” (DUARTE Constância Lima.Nísia Floresta.Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.) ( alguns acréscimos meus)

      Entretanto, essa ideia de “novo lugar da mulher” e de “valorização da educação feminina” merece análise e questionamento, “Poucos foram os colégios que se arriscaram a oferecer cursos de instrução a nível secundário para meninas. Além disso, o número de interessadas era tão pequeno que logo eles eram obrigados a reformular os cursos ou mesmo fechar as portas. As jovens de elite continuavam recebendo educação em suas próprias casas através das preceptoras ou sob a orientação dos pais, as demais ainda que houvesse a possibilidade de estudar numa escola pública, raramente o faziam, permaneciam em casa, em pleno meio do século XIX, condenadas à mesma sorte de suas antepassadas.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)( alguns acréscimos meus)

        Constância Duarte afirma que “A educação feminina foi idealizada a partir de uma visão romântica, baseada na religião e na moral, necessária para estimular a dignidade e preparar a futura mulher para assumir suas funções de mãe e de esposa, o que distanciava tal projeto de um projeto de formação intelectualizada, reservada ao segmento masculino da população. A elas bastava o ensino primário e o desenvolvimento das habilidades manuais, os cursos secundários e superiores lhes eram vedados.“ (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

     “Por tudo isso a bandeira de luta pela educação das mulheres foi fortemente abraçada por aquelas que conseguiram romper o preconceito e se destacaram, como era o caso de Nísia Floresta. De um lado estavam as mulheres mais conscientes que pretendiam, solidariamente, estender às companheiras as benesses da instrução e do conhecimento de si mesmas e até como forma de ajudá-las a ver com novos olhos o mundo em que viviam. De outro estavam os homens, filósofos, moralistas, jornalistas, políticos e até médicos, que também pareciam envolvidos na mesma bandeira e imbuídos da necessidade urgente de dar às mulheres uma condição mais digna na sociedade.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        De acordo com Constância “O que vai ocorrer então é que os ideólogos do patriarcalismo terminaram por se apossar das palavras de ordem feminina e por determinar segundo seus interesses, os novos comportamentos da mulher, seus direitos e deveres. O redimensionamento do papel da mulher consistirá, então, basicamente, na supervalorização das figuras da esposa e da mãe elevadas à categoria de “Santas”, uma vez que lhes cabe a “divina” missão de serem as guardiãs privilegiadas da família.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

          Sendo assim, para Duarte “As expectativas femininas de acesso à instrução foram atendidas, portanto através do novo estatuto que lhes trazia louvações, considerando a mulher como a única responsável pela família e capaz de operar a “regeneração social”. Tanto mulheres burguesas aceitariam o prestígio implícito no título de mãe, que muitas veicularam em seus escritos a normatização do “novo” papel, contribuindo para sua consolidação e para fechar um novo círculo em torno das mulheres. A esta nova mãe de família cabia zelar pela paz doméstica, pela sobrevivência e educação dos filhos e filhas, assim como pela vigilância da moralidade.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “No momento em que as escritoras propagaram as diferenças ditas naturais entre os dois sexos, elas permitiram que se aprovassem medidas que ao invés de proporcionar à mulher condições de superar as desvantagens advindas do fato de ter sido um dia colocadas em segundo plano, servem antes para consagrar essas mesmas desvantagens, (esse é mais um dos motivos de minhas dúvidas) Na segunda metade do século XIX não havia mais dúvidas quanto à necessidade de se educar e instruir a mulher, até para que ela pudesse desempenhar a contento esses encargos. Era preciso, apenas, torná-la consciente de suas responsabilidades e, sobretudo, plenamente realizada e esquecida de que poderia pretender um pouco mais. Dentro desse raciocínio, as mulheres deviam estudar não por elas próprias, mas para que melhor exercessem seus papéis previamente estipulados, isto é, “servir a outros”.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “O que me deixa “deveras” intrigada é o fato de uma mulher como Nísia Floresta ter se dedicado a escrever, além dos textos maravilhosos como o poema “lágrimas de um caeté”, onde o ponto de vista não é o do índio guerreiro e destemido e sim do índio vencido, derrotado e inconformado com a opressão do homem branco, colonizador, como também devemos levar em consideração que os escritos de Nísia Floresta apresentaram uma peculiaridade, como textos que se situam entre a ficção didática e o doutrinarismo, misturando gêneros diversos: ensaio, novela e crônica, por exemplo, em alguns, a forma ensaística prevalece, caso encontrado em “Opúsculo humanitário”, que, desde o título, parece recuperar um fio militante e panfletário que era comum aos opúsculos, uma publicação intermediária entre o livro e o jornal. Em outros escritos, ao lado de questões teóricas acerca da educação, como “conselhos à minha filha” e o “discurso às educandas”, encontram-se também elementos da vida pessoal de Nísia Floresta, os quais dão aos textos um certo ar de autobiografia. Talvez essa certa dúvida que permeia meu pensamento acerca desta mulher brilhante, seja explicada pelo fato de que se Nísia Floresta defendesse uma educação que permitisse maiores conquistas para mulheres, certamente não teria obtido a concordância de muitos críticos, entre eles do crítico Luís Felipe Leite em 1856. E bem outra poderia ter sido sua reação, assim como a de alguns que ironizavam o ensino do colégio que manteve por 17 anos no Rio de Janeiro. Mas a autora manteve seu pensamento dentro do “bom senso” desejado, isto é, como não propõe alterações substanciais no status quo  feminino merece elogios.” (DUARTE Constância Lima.Nísia Floresta.Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “Em “Os direitos das mulheres”, segundo Constância, a autora rejeitava a ideia de uma revolução radical nos costumes, no opúsculo humanitário será diferente, e ela expressa o desejo de uma completa transformação no sistema educacional. Chega inclusive a afirmar que não poderá haver no Brasil uma boa educação da mocidade “enquanto o sistema de nossa educação quer doméstica, quer pública não for radicalmente reformado. A autora tem consciência de que os preconceitos arraigados no espírito do brasileiro eram ainda muitos. A fraqueza física, a incapacidade de reflexão e o natural gosto pelo adorno, citados pelos homens, seriam apenas pretextos para que as mulheres fossem mantidas em estado de submissão. Os homens não tinham interesse em educá-las para melhor as dominar, pois afinal, é ela quem diz: “quanto mais ignorante é um povo, mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu ilimitado poder”.(DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

          Duarte afirma que “Nísia estava próxima do pensamento liberal mais progressista, e, por outro lado, limitada por sua formação religiosa aos ditames conservadores do catolicismo. No primeiro caso, defendeu a difusão em massa de escolas de primeiras letras para meninas em igual número das que eram criadas para meninos, exigiu uma fiscalização severa do governo na qualidade do ensino ministrado, protestou pelo impedimento do acesso feminino ao nível secundário de escolarização, denunciou as facilidades concedidas a estrangeiros para abrirem escolas, e ainda lamentou o baixo nível intelectual da maioria das professoras. A autora defendeu as modernas teorias higienistas ao defender a necessidade de uma educação física para mulheres e crianças, e aproveitou para condenar a reclusão feminina que impedia a muitas um “higiênico passeio cotidiano”. Os médicos, e não só a urbanização, foram também responsáveis pela retirada da mulher das alcovas, consideradas por eles, como locais úmidos e mal ventilados que provocavam fraqueza e doenças. Ao defender uma nova organização doméstica e a valorização feminina na família, o poder médico transformou as mulheres em importantes aliadas de seus projetos.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “Ao se deixar contaminar por ideias moralistas de fundo religioso, ou mesmo pelo pensamento positivista, a autora terminou por contribuir não para a ampliação do universo feminino, mas, ao contrário, para uma nova delimitação do papel da mulher, aproximando-se perigosamente daqueles teóricos como Rousseau e Gregory, que tentava combater. Aqui minha dúvida é respondida. Senão vejamos: a educação devia se iniciar no berço, com a amamentação feita pela própria mãe. O ideal da educação para a menina é aquela feita no lar sob a orientação materna. A escola atenderia apenas meninas que não pudessem, por qualquer motivo, ser educadas em casa. As virtudes, como a modéstia, simplicidade e caridade deviam ser incutidas desde cedo não só através de palavras, mas principalmente pelo exemplo doméstico. A menina devia ser poupada do contato com escravos e estranhos; bailes, teatros e diversões em geral costumam ser perniciosas na formação da criança – devia-se dar preferência a passeios ao ar livre – e as brincadeiras infantis deviam ser supervisionadas pela mãe. A menina precisava ainda de um horário para dormir, acordar, brincar, fazer refeições, estudar; enfim, para conhecer desde cedo o nobre fim para que foi criada.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

      “A menina educada em casa e pela mãe seria a “delicada flor da estufa”, enquanto a outra, que respirou brisas diferentes e esteve exposta a influências diversas, apenas uma “flor de jardim”. A ênfase dada à educação moral, entendida como “o guia mais seguro da mulher, a estrela polar que lhe indica o norte”, era necessária até como forma de limitar as opções femininas. Afinal, a moralidade era a garantia dos valores que regulavam a ordem e a vida social; e a religião, a responsável principal pela sustentação dos liames sociais.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, editora Massangana,2010.)

        Estranho o fato de esses pensamentos pertencerem a uma mulher que se casou obrigada aos treze anos, e abandonou seu marido, que passou a questionar esta condição de mulher-equipamento, mulher-propriedade, mulher-quase mulher, pensamento tão comum em sua época, sua percepção mais que aguçada, perdeu o pai aos 18 e “amigou-se” na mesma idade sob o olhar duro e frio de uma sociedade arcaica. Nísia criou seus filhos praticamente sozinha, pois seu companheiro morreu jovem, aos 25 anos, dirigiu uma escola para meninas, com uma proposta curricular inovadora para sua época, viajou pela Europa inteira, enfim, foi uma mulher a frente de seu tempo em vários aspectos, e fundamentalmente nos intelectuais, entretanto porque mantinha essa visão conservadora acerca da educação da menina? Defendeu as ideias abolicionistas, os indígenas, o que podemos observar no poema Lágrimas de um Caeté, como uma mulher tão genial poderia defender que um fim mais nobre da educação, da construção do conhecimento não poderia ser por prazer? As mulheres, segundo Nísia, “deveriam instruir-se não por prazer ou para emancipar-se, mas porque um dia seriam responsáveis pela educação dos filhos.” ( Floresta ,1989b, p.134) (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “Nísia Floresta identifica-se em parte com Kant, que é citado por ela no opúsculo, quando considera a religião a partir de um ponto de vista subjetivo, como “o conhecimento de todos os nossos deveres como ordens divinas”. Também para Nísia Floresta a religião é poderosa o bastante para garantir a vitória dos valores morais naqueles que a praticam. Daí, sua tendência em definir a educação não do ponto de vista do indivíduo, mas sim da sociedade. Segundo a autora, a religião “fortifica e realça as qualidades femininas, é ela ainda que sustenta e consola todo indivíduo nas circunstâncias mais difíceis da vida, a bússola invariável que lhe indica os seus deveres e o conduz ao exato cumprimento deles.”(Floresta ,1989b, p.134) (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “Com tais bases, o conceito de educação feminina proposto por Nísia Floresta termina por não avançar muito no que se refere às possíveis mudanças nas condições de vida da mulher do seu tempo. A cultura geral, enfaticamente discutida, serviria tão somente para melhor preparar a mulher para assumir com responsabilidade o papel da mãe de família, dentro de um rígido controle de sua moralidade. O poder feminino, tão sonhado, limitar-se-ia àquele obtido através da influência junto aos filhos. Também nessas postulações tão contraditórias, Nísia Floresta aproxima-se tanto dos positivistas – que defendiam ao mesmo tempo uma ampla educação para a mulher e a limitação de sua atuação nos domínios do doméstico – quanto dos higienistas, que só julgavam necessária a instrução feminina para aplicação junto aos filhos.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “Uma educação permeada pela religião e pela moral que aperfeiçoasse ainda mais a mulher e a tornasse naturalmente devotada ao lar, à família e às tarefas domésticas. E entre os que assim se posicionaram estavam dois positivistas: Miguel lemos e Raimundo Teixeira Mendes, que coerentemente, condenavam qualquer possibilidade de emancipação feminina através da profissão, pois acreditavam que isso seria o princípio destruidor da família e da sociedade.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

        “Nísia Floresta também escreveu livros que se inscrevem na antiga tradição de prosa moralista de intenção nitidamente doutrinária, comum tanto na literatura europeia de séculos anteriores como na brasileira, principalmente pela inspiração dos fascículos do Marquês de Maricá. Esses escritos, intimamente ligados à questão educacional, pretendem transmitir ensinamentos através de exemplos de conduta considerados ideologicamente positivos, ao mesmo tempo em que condenam outros por serem prejudiciais à sociedade. Em “Conselhos de uma mãe-educadora”, quando elege determinadas virtudes como adequadas ao comportamento das meninas, das mulheres e dos jovens, a autora define-se também com relação aos valores que apoia e quer ver normatizados. Tais valores, sabemos, eram principalmente os divulgados pelo moralismo cristão e defendidos pela medicina higiênica, voltados para o controle do corpo e do espírito dos jovens. O poder médico adquiriria importância como condutor dos interesses sociais devido às alianças com os demais poderes e estabilizava a conduta física, intelectual, moral e até sexual dos membros sociais, visando a sua adaptação ao sistema político e econômico.” (DUARTE Constância Lima. Nísia  Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

       “Nísia Floresta, acompanhando as preocupações dos filósofos, moralistas e médicos da época, abraça também, nesse e noutros trabalhos, o ideal de transformar a mulher indiferente em mãe amorosa e responsável. Por tudo isso se encontra a exaltação da figura materna e a elevação de mãe para o título mais nobre, o que “exprime só todos os sentimentos d’alma, as mais sublimes e puras afeições”, o único capaz de dar a “verdadeira importância à mulher”. A autora atribui ao seu amor materno o gosto pelo estudo, pois tinha a esperança de um dia dar à filha as primeiras lições. As mulheres entenda-se, deveriam instruir-se não por prazer ou para emancipar-se, mas porque um dia seriam responsáveis pela educação dos filhos.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.)

       “Também um aspecto interessante é a evidente autoestima da autora. Mesmo quando parece voltar-se para a filha e estar  desempenhando seu papel de conselheira, coloca-se a si própria, todo tempo como exemplo das virtudes que quer incentivar.“Fany ou o modelo das donzelas” deve ser considerada uma novela de cunho didático moralista, pois conserva bem nítida a intenção autoral de servir de leitura para a juventude feminina em geral e, em particular, para aquela do colégio Augusto. Ao final da narrativa, aliás, encontra-se explícita esta intenção “possam todas as donzelas e principalmente aquelas para quem escrevi estes ligeiros traços da história de Fany, imitar suas virtudes e exercitarem uma pena mais hábil que a minha para descrevê-las.” Provavelmente foi o que hoje se denomina uma leitura paradidática, isto é, leitura indicada como atividade escolar, que por longo tempo esteve vinculada à pedagogia, pois pretendia contribuir na formação dos educandos(as) através da estereotipia dos bons “exemplos morais”.” (DUARTE Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco , editora Massangana,2010.) 

        Teria Nísia Floresta sido oprimida pelo seu tempo, vendo-se obrigada a ceder ao tal “bom senso”? Pelo que sabemos de seu tempo, e o que sabemos do nosso, é claro que sim, ela era uma mãe, educadora, viúva, como mencionei anteriormente casou-se aos treze, abandonou o marido e aos dezoito perdeu seu pai de forma trágica, passou a morar com outro homem que foi seu companheiro por pouco tempo, falecendo jovem aos 25 anos, e ficou responsável por uma casa só com mulheres e crianças, ora, ela estava sujeita ao julgamento da sociedade, até mesmo para manter-se tanto como educadora, tanto como mulher respeitável, então manteve sempre o chamado "bom senso" da época, ora se hoje muitos e muitas cedem aos preconceitos e as pressões provenientes destes, até mesmo nossa presidenta... Imagine esta mulher em sua época? Om tempo sem tolerância e onde mulheres eram figuras secundárias na sociedade...

Atributos sociológicos no pensamento de Stuart Hall para compreendermos o racismo na contemporaneidade.

ARTIGO

Atributos sociológicos no pensamento de Stuart Hall para compreendermos o racismo na contemporaneidade.

Sociological attributes at the thought of Stuart Hall to understand racism nowadays.

Ricardo de Oliveira de Almeida[1]


RESUMO:
Este trabalho tem como objetivo principal elucidar-nos enquanto sujeitos acerca de questões pertinentes à construção social do racismo, através do trabalho significativo de Stuart Hall[2] intitulado ¨Raça o significante flutuante¨, por entendermos que, em seus escritos, encontramos subsídios necessários a fim de atenuar preconceitos construídos histórico e socialmente à formação humana.
PALAVRAS–CHAVE:  Raça. Racismo. Classificação racial. Significante flutuante.

ABSTRACT :
               This study aims to elucidate -In as subjects on issues relevant to the social construction of racism through the meaningful work of Stuart Hall race called the floating signifier , because we believe that , in his writings , we find necessary support in order to mitigate historically and socially built prejudices to human training.

         KEYWORDS:   Race. Racism. Racial classification. Significant floating.




1.  Introdução.
           Iniciamos nossas reflexões e argumentações justificando a escolha por este renomado e reconhecido autor/pesquisador Jamaicano no que concerne a construção e difusão científico-acadêmica em razão da formação humana através da teoria social por ele construída ao longo de sua vida engajado na defesa de ações afirmativas que se tornaram singularmente relevantes e atualmente, sobretudo na sociedade brasileira, ganha um foco destacado visto os constantes episódios de barbárie e crueldade no que se refere às questões de relações etinicorraciais. E na sua percepção, não foram avaliados e mapeados de forma adequada os efeitos de pensar raça como significante numa perspectiva político/ideológica a fim de mobilizar questões e estratégias de educação antirracistas.
E não obstante por desenvolver sólida construção acadêmica no campo dos conceitos de hegemonia[3] e cultura, assumindo uma posição pós-gramsciana. Ele considera o uso da linguagem como operador de uma estrutura de poder, instituições, política/economia. Essa visão apresenta as pessoas como produtoras e consumidoras de cultura ao mesmo tempo.
Dito isto, para elucidar-nos sobre esta concepção, os estudos culturais de Stuart Hall foram fundamentais no processo de compreensão da cultura como instrumento de dominação, a partir de uma concepção Marxista e Gramsciana.
Baseando-se nos conceitos de estrutura e superestrutura, podemos dizer que a hegemonia está pautada numa dominação ideológica, não coercitiva que se perpetua por aceitação do dominado associado ao consenso dentro de uma estrutura menor, ou seja, o que poderíamos denominar de microestrutura. É valido salientar que, por comodismo ou insatisfação ou quaisquer outras subjetividades de um grupo ou classe social, dentro de um sistema de crenças, valores e outras manifestações culturais, determinados paradigmas acabam sendo vistos como preferíveis a outros atribuídos pelo conceito em questão, o que de alguma forma ou em certa medida, possibilita arraigar e validar o status quo como naturalizado ou naturalizante ou seja, secular.



          2. Sobre o conceito de raça.

Na fala de (Munanga,2000) assim ele descreve a criação do conceito de raça:

¨No século XV, quando os navegadores europeus descobriram povos fisicamente diferentes deles, isto é, os ameríndios, os africanos, os “primitivos” da Oceania, entre outros, colocou-se a questão de saber se esses recém descobertos eram bestas ou seres humanos como os europeus. Para que pudessem ser integrados na categoria humana, era preciso comprovar que eram, antes do mais nada, também descendentes de Adão como os europeus. Em outros termos, que eles tinham o mesmo ancestral comum masculino dos europeus, de acordo com o mito bíblico da criação. Lembremo-nos que entre os séculos XV e XVII, o monopólio do conhecimento e da explicação da origem da humanidade estava nas mãos da Igreja, através da Teologia.¨


E ainda:
¨Num debate teológico cujo palco principal se encontrava na península ibérica, conseguiu-se demonstrar que os índios e os negros tinham referência na bíblia e na escritura santa, o que comprovara sua descendência adâmica e, consequentemente, sua humanidade. ¨


De maneira sintetizada, podemos concluir que a primeira tentativa de classificação racial, foi pautada nos pressupostos da religiosidade. Nesse momento de nosso trabalho sem querer desviar o foco, cabemo-nos compormos uma construção crítica nas falas de (Nietzsche, 2008):
¨Em termos psicológicos, os ¨pecados¨ se tornam indispensáveis em toda sociedade organizada pelos sacerdotes; eles são os verdadeiros instrumentos de manipulação do poder, o sacerdote vive dos pecados, ele tem necessidade que se ¨peque¨...Princípio supremo: ¨Deus perdoa aquele que faz penitência¨ - traduzindo: aquele que se submete ao sacerdote.¨

Referendamos a obra O Anticristo que de forma irônica e sarcástica faz uma alusão à hierarquização da igreja católica por intermédio de seus sacerdotes, onde resumidamente tudo que não pertencesse aos critérios religiosos secularizados à época, era visto como pecaminoso, impuro, e nesse sentido, considerando o conceito de raça, indiretamente ou por analogia como inferior, caso não se enquadrasse nos termos bíblicos por assim dizer.
Segundo (Hall,2005), raça é uma construção discursiva, é um dos principais conceitos que organiza os grandes sistemas classificatórios da diferença que operam em sociedades humanas.

 E ainda:

¨(...) dizer que raça é uma categoria discursiva é reconhecer que todas as tentativas de fundamentar esse conceito na ciência, localizando as diferenças entre as raças no terreno da ciência biológica ou genética, se mostraram insustentáveis. Precisamos, portanto —  diz-se —  substituir a definição biológica de raça pela sócio histórica ou cultural¨(idem).

Desta forma, pensarmos que raça serve como um sistema classificatório nos imbui em refletirmos como, e quem é que classifica, ou seja, quais fatores determinaram e determinam até os dias atuais esta ordenação classificatória? Segundo (Bento,2002), O modelo racial branco(europeu) apareceu [no Brasil] como ideal e universal, e, por conseguinte, suas características como padrão a ser seguido e mantido(...).
E: ¨Entre os séculos XVIII e XIX houve uma hierarquização promovida pela comunidade científica que culminou no racialismo e legitimou os sistemas de dominação da época (colonização e escravidão)¨ (Munanga,2000).
E segundo (Bernardino,2002) pautado no mito da democracia racial no Brasil, acrescenta:
¨Por não ter sido construída nos mesmos moldes dos EUA e da África do Sul, a sociedade brasileira acredita viver uma democracia racial, visto que não existiram princípios legais que caracterizassem conflitos raciais abertos¨[4]

Nesse sentido, podemos dizer que se fez uma apropriação simbólica[5] que no imaginário social brasileiro, legitimou a supremacia do modelo branco europeu e em contrapartida, soterrou a identidade racial do negro por assim dizer, colocando-o no sistema classificatório racial em condição inferiorizada.
Retornando as reflexões de (Hall,2005) ele afirma que: ¨embora pouco significativa em si, raça é importante como ¨distintivo¨ [insígnia] da herança social, pois africanos e afrodescendentes tem o que chama de ancestralidade racial em  comum porque possuem a mesma história de sofrimento e barbárie¨.
Com a finalidade de esclarecimentos é bom que tenhamos em mente que o próprio uso da palavra raça, em si é inconsistente, incompleto e até mesmo incorreto no que concerne a sua aplicação em termos de humanidade, o termo mais adequado seria etnia, pois somos todos pertencentes à raça humana.
2.1 Sobre o racismo.
Podemos com alguma cautela e em certa medida dizer que o nível de complexidade do fenômeno do racismo é muito grande, e ainda, que este é dinâmico no tempo e no espaço, considerando-se que a sociedade também é dinâmica, assim descrito por (Munanga,2002)¨ O fenômeno do racismo tem uma grande complexidade além de ser muito dinâmico no tempo e no espaço¨.
Vale ainda lembrar que a construção do racismo se dá no confronto por assim dizer de etnias, e, que a definição desta se dá através das seguintes características: a mesma ancestralidade, território, língua, história, religião e cultura.
¨Considerando que preconceitos são universais, não existe sociedade sem preconceito e vice-versa e que a função deste é valorizar tudo relacionado a seu grupo de pertencimento¨ (Munanga,2002).

              Retomando o conceito de hegemonia (Gramsci) faz-se necessário refletimos sobre o papel que as mídias de maneira geral ocupam dentro de cada cultura sustentando e dando subsídios a fim de dar lócus aos paradigmas étnico-culturais, perpetuando o fenômeno do racismo. E ainda no caso específico do Brasil, segundo (Borges,2012):

(...)em perspectiva ampliada, nos modos em que o imaginário ordena-se em torno da questão, visto que envolve discriminações acerca do certo ou do errado, melhor ou pior, belo e feio, normal e desviante, adequado e inadequado, próprio e impróprio, fornecendo a todos nós padrões com os quais constituímos nossos horizontes identitários, de ser e bem estar no mundo.
              Nesse sentido, observamos uma espécie de maniqueísmo institucionalizado, que constrói no imaginário social uma mescla de ¨identidades¨ inacabadas que só reforçam as nossas falhas ou desvios de conduta ética e moral, pois que nunca chegamos a um elemento seguro de identidade ou identificação étnica, como já descrito, pois a dinâmica imposta pela mídia gera essa confusão.
          E ainda:

¨São muitas as conceituações que vêm sendo formuladas fora e dentro do campo da comunicação, este com seus intelectuais, técnicos, artistas e críticos especializados, para tentar dar conta da complexidade e alcance dos efeitos socioculturais, de micro e macro dimensões, originários deste poderoso sistema simbólico(...) Estudiosos atentos aos danos que envolvem violação de direitos provocados pelo racismo midiático brasileiro, expresso, tanto na frequentemente citada “invisibilidade” dos negros nos meios de comunicação, quanto na representação racializada estigmatizadora desta parcela da sociedade do país nos mais diferentes produtos midiáticos nacionais.¨(Borges,2012)


É, pois justamente dentro deste universo simbólico que, explorado pela mídia, faz-se necessário construirmos solo epistêmico do tema deste trabalho a fim de ampliar nossos horizontes de compreensão de raça/racismo a fim de superá-lo.
              Nessa direção, de um universo simbólico de significados e significações, que (Munaga, 2000) nos aponta uma premissa que pode ser considerada elementar para compreendermos o fenômeno assim descrito:
¨As diferenças percebidas entre “nós” e os “outros” constituem o ponto de partida para a formação de diversos tipos de preconceitos, de práticas de discriminação e de construção das ideologias delas decorrentes. Ao colocar a diferença como ponto de partida, queremos evitar a confusão que se estabelece na fronteira entre a noção de preconceito racial e os demais preconceitos baseados sobre outros tipos de diferenças. Com efeito, no seio de uma sociedade como a brasileira, encontramos classes sociais, comunidades religiosas, etnias, sexos, gêneros, culturas, idades etc. diferentes. No seio de alguns países, encontramos comunidades linguísticas diferentes.¨


            Dessa forma, torna-se fundamental a percepção que temos do mundo dentro de um sistema de crenças e valores para nossa formação identitária uma vez que, a interferência por assim dizer das mais variadas formas de ideologias e percepções que nós temos leva-nos a introjetar e reproduzir preconceitos e discriminações de maneira trivial.
            Por conta desses elementos que constituem o universo simbólico no qual está inserido também como descrito por (Munanga,2000), a questão linguística, é que prosseguiremos através da conceituação de nosso autor norteador deste trabalho, discorrendo sobre o significado das palavras dentro de um sistema ideológico/político/filosófico, que pode nos apontar alguns caminhos a fim de  superarmos  preconceitos e discriminações.

3. Raça como significante flutuante.
Para compreendermos as reflexões de Stuart Hall quando afirma que raça é um significante devemos pensar que se atribui sentido e significado mais a uma linguagem propriamente dita do que a forma ou constituição biológica do ser, ou seja, raça funciona como linguagem e os significantes se referem a sistemas e conceitos de classificação dentro de uma cultura para ganhar sentido.
Como já dissemos em linhas gerais, para que a raça seja compreendida se faz necessário associa-la a uma determinada cultura para que ganhe sentido, significado e, lembrando que, a cultura assim como as sociedades são dinâmicas, ou seja, em fluxo constante, mudança permanente, sendo assim, o conceito de raça pode ganhar novo sentido dentro de sistemas e conceitos de classificação dependendo da cultura no qual está inserido.
A título de exemplo os esquimós possuem sete classificações diferentes para elencar a consistência de neve, assim como nós brasileiros atribuímos à chuva várias classificações dependendo do grau de sua intensidade; exemplos: chuvisco, garoa, temporal. Ou seja, na prática, tanto nós brasileiros quanto os esquimós poderíamos simplesmente atribuir ao signo dentro da nossa cultura os nomes chuva e neve respectivamente para que nos fizéssemos compreender a respeito dos fenômenos naturais.
Resumidamente a função da raça como significante é construir um sistema de equivalência entre natureza e cultura nas palavras de (Hall,2005): ¨Raça é um sistema cultural.¨ Sendo assim, para entendermos um sistema de equivalências, apropriamo-nos do signo linguístico [6] inserido e normatizado na nossa cultura, operando/trabalhando com ele de maneira que este tenha sentido, forma, para que possamos atribuir um significado, ou seja, torna-lo tangível, legível por assim dizer, para nossa compreensão daquilo que queremos referendar, expressar enquanto pertencimento a nosso sistema de significados e significações.
Outrossim, correlaciona-la (Raça) com a cultura,  incide em dizer que complementam-se no sentido da forma que em seu estado de natureza não teria sentido se o os pressupostos que a definem enquanto signo não existissem na nossa cultura.
4. Considerações finais.
Até esta etapa de nosso trabalho, tentamos com algum discernimento, e de certa maneira, explicitar argumentos relevantes no que concerne a construção da dimensão social do racismo por entendermos que em nosso cotidiano, nos defrontamos com as mais variadas situações que nos conferem e, em certa medida, exigem que expressemos nossas opiniões, posicionamentos ideológico-políticos, no intuito de sermos avaliados, julgados perante a formação das redes de relações sociais das quais fazemos parte ou pretendemos pertencer de alguma maneira.
            Dito isso, com base em nossas pesquisas, observamos que ao longo da história, no constructo social demonstrado através dos diálogos expostos que, se torna extremamente relevante considerarmos as construções pautadas nestes três eixos: ideológico, político e cultural no tocante a formação étnica considerando-se as dimensões que estes possuem na formação de uma identidade ou identificação por assim dizer, sobretudo no que se refere ao povo brasileiro.
            Nesse sentido, o nosso trabalho teve como objetivo principal demostrar como elementos construídos socialmente e culturalmente podem e devem dar luz a novas ideias e concepções de vida de maneira que possamos construir uma sociedade e um mundo mais justo e solidário e talvez menos cruel, pois não é a cor da pele que define por assim dizer a humanidade e dignidade do indivíduo e sim a materialização de suas subjetividades, ou seja, suas ações.  
           Esperamos que, de alguma forma, tenhamos contribuído no desenvolvimento de novas pesquisas no que tange o modelo de opiniões arraigadas de sentimentos conservadores e, que estes possam e estejam abertos a diálogos mais profundos, criando novas perspectivas e laços de convivência mais harmoniosos para as futuras gerações.



5. Referências bibliográficas:
Disponível em: www.significados.com.br/hegemonia/

BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL In: Psicologia social do racismo –
estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil / Iray Carone, Maria Aparecida
Silva Bento ( Organizadoras) Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. (25-58)
BORGES, Rosane da Silva, MÍDIA, RACISMOS E REPRESENTAÇÕES DO OUTRO:  Ligeiras reflexões em torno da imagem da mulher negra. In: Rosane da Silva Borges(Org). Mídia e Racismo,DP et Alii,2012, p.p 7-244.
BURDIEU, Pierre; O Poder simbólico: disponível em: http://monoskop.org/images/b/b3/Bourdieu_Pierre_O_poder_simbolico_1989.pdf
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade étnica e etnia. Cadernos Penesb, Niterói, n.5, p. 17-34, 2000.

NIETZSCHE, Friedrich, O anticristo, Escala, 2008,pg.61
BERNARDINO, Joaze. Ação Afirmativa e a Rediscussão do Mito da Democracia Racial no Brasil In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 2, 2002, pp. 247-273 .













[1] Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.
[2] Stuart Hall, nascido na então colônia da Jamaica em 1932, migrou para a Inglaterra em 1951.  Preocupou-se desde cedo com questões pós-coloniais e questões ligadas ao racismo. Dirigiu o Centre for Contemporary Cultural Studies, da University of Birmingham, e o Departamento de Sociologia, da Open University, até se aposentar em 1997.
[3] Para Gramsci, hegemonia é o domínio de uma classe social sobre as outras, em termos ideológicos, em especial da burguesia com as classes de trabalhadores.
[4] Como o Jim Crow e o Apartheid.
[5] Ler Pierre Burdieu O Poder simbólico.
[6] O signo linguístico é um elemento representativo que apresenta dois aspectos: o significado e o significante. Ao escutar a palavra cachorro, reconhecemos a sequência de sons que formam essa palavra. Esses sons se identificam com a lembrança deles que está em nossa memória.