ARTIGO
Atributos sociológicos no pensamento de Stuart Hall
para compreendermos o racismo na contemporaneidade.
Sociological attributes at the thought of Stuart Hall to understand racism nowadays.
Ricardo de
Oliveira de Almeida
RESUMO:
Este
trabalho tem como objetivo principal elucidar-nos enquanto sujeitos acerca de
questões pertinentes à construção social do racismo, através do trabalho
significativo de Stuart Hall intitulado
¨Raça o significante flutuante¨, por entendermos que, em seus escritos,
encontramos subsídios necessários a fim de atenuar preconceitos construídos
histórico e socialmente à formação humana.
PALAVRAS–CHAVE: Raça. Racismo. Classificação racial. Significante flutuante.
ABSTRACT :
This study aims to elucidate -In as subjects on issues relevant to the
social construction of racism through the meaningful work of Stuart Hall race
called the floating signifier , because we believe that , in his writings , we
find necessary support in order to mitigate historically and socially built
prejudices to human training.
KEYWORDS: Race. Racism. Racial classification. Significant
floating.
1. Introdução.
Iniciamos
nossas reflexões e argumentações justificando a escolha por este renomado e reconhecido
autor/pesquisador Jamaicano no que concerne a construção e difusão científico-acadêmica
em razão da formação humana através da teoria social por ele construída ao
longo de sua vida engajado na defesa de ações afirmativas que se tornaram singularmente
relevantes e atualmente, sobretudo na sociedade brasileira, ganha
um
foco destacado visto os constantes episódios de barbárie e crueldade no que se
refere às questões de relações etinicorraciais. E na sua percepção, não foram
avaliados e mapeados de forma adequada os efeitos de pensar raça como
significante numa perspectiva político/ideológica a fim de mobilizar questões e
estratégias de educação antirracistas.
E
não obstante por desenvolver sólida construção acadêmica no campo dos conceitos
de hegemonia
e cultura, assumindo uma posição pós-gramsciana. Ele considera o uso da
linguagem como operador de uma estrutura de poder, instituições,
política/economia. Essa visão apresenta as pessoas como produtoras e
consumidoras de cultura ao mesmo tempo.
Dito
isto, para elucidar-nos sobre esta concepção, os estudos
culturais de Stuart Hall foram fundamentais no processo de compreensão da
cultura como instrumento de dominação, a partir de uma concepção Marxista e
Gramsciana.
Baseando-se nos conceitos de estrutura e superestrutura, podemos
dizer que a hegemonia está pautada numa dominação ideológica, não coercitiva
que se perpetua por aceitação do dominado associado ao consenso dentro de uma
estrutura menor, ou seja, o que poderíamos denominar de microestrutura. É
valido salientar que, por comodismo ou insatisfação ou quaisquer outras
subjetividades de um grupo ou classe social, dentro de um sistema de crenças,
valores e outras manifestações culturais, determinados paradigmas acabam sendo
vistos como preferíveis a outros atribuídos pelo conceito em questão, o que de
alguma forma ou em certa medida, possibilita arraigar e validar o status quo como naturalizado ou
naturalizante ou seja, secular.
2. Sobre o conceito de raça.
Na
fala de (Munanga,2000) assim ele descreve a criação do conceito de raça:
¨No século XV, quando os
navegadores europeus descobriram povos fisicamente diferentes deles, isto é, os
ameríndios, os africanos, os “primitivos” da Oceania, entre outros, colocou-se
a questão de saber se esses recém descobertos eram bestas ou seres humanos como
os europeus. Para que pudessem ser integrados na categoria humana, era preciso
comprovar que eram, antes do mais nada, também descendentes de Adão como os
europeus. Em outros termos, que eles tinham o mesmo ancestral comum masculino
dos europeus, de acordo com o mito bíblico da criação. Lembremo-nos que entre
os séculos XV e XVII, o monopólio do conhecimento e da explicação da origem da
humanidade estava nas mãos da Igreja, através da Teologia.¨
E
ainda:
¨Num debate teológico cujo palco principal se
encontrava na península ibérica, conseguiu-se demonstrar que os índios e os
negros tinham referência na bíblia e na escritura santa, o que comprovara sua
descendência adâmica e, consequentemente, sua humanidade. ¨
De
maneira sintetizada, podemos concluir que a primeira tentativa de classificação
racial, foi pautada nos pressupostos da religiosidade. Nesse momento de nosso
trabalho sem querer desviar o foco, cabemo-nos compormos uma construção crítica
nas falas de (Nietzsche, 2008):
¨Em termos psicológicos, os
¨pecados¨ se tornam indispensáveis em toda sociedade organizada pelos
sacerdotes; eles são os verdadeiros instrumentos de manipulação do poder, o
sacerdote vive dos pecados, ele tem necessidade que se ¨peque¨...Princípio
supremo: ¨Deus perdoa aquele que faz penitência¨ - traduzindo: aquele que se
submete ao sacerdote.¨
Referendamos
a obra O Anticristo que de forma
irônica e sarcástica faz uma alusão à hierarquização da igreja católica por
intermédio de seus sacerdotes, onde resumidamente tudo que não pertencesse aos
critérios religiosos secularizados à época, era visto como pecaminoso, impuro,
e nesse sentido, considerando o conceito de raça, indiretamente ou por analogia
como inferior, caso não se enquadrasse nos termos bíblicos por assim dizer.
Segundo
(Hall,2005), raça é uma construção discursiva, é um dos principais conceitos
que organiza os grandes sistemas classificatórios da diferença que operam em
sociedades humanas.
E ainda:
¨(...) dizer que raça é uma categoria
discursiva é reconhecer que todas as tentativas de fundamentar esse conceito na
ciência, localizando as diferenças entre as raças no terreno da ciência
biológica ou genética, se mostraram insustentáveis. Precisamos, portanto —
diz-se — substituir a definição biológica de raça pela sócio
histórica ou cultural¨(idem).
Desta
forma, pensarmos que raça serve como um sistema classificatório nos imbui em refletirmos como, e quem é que
classifica, ou seja, quais fatores determinaram e determinam até os dias atuais
esta ordenação classificatória? Segundo (Bento,2002), O modelo racial
branco(europeu) apareceu [no Brasil] como ideal e universal, e, por
conseguinte, suas características como padrão a ser seguido e mantido(...).
E:
¨Entre os séculos XVIII e XIX houve uma hierarquização promovida pela
comunidade científica que culminou no racialismo e legitimou os sistemas de
dominação da época (colonização e escravidão)¨ (Munanga,2000).
E
segundo (Bernardino,2002) pautado no mito da democracia racial no Brasil,
acrescenta:
¨Por não ter sido construída nos
mesmos moldes dos EUA e da África do Sul, a sociedade brasileira acredita viver
uma democracia racial, visto que não existiram princípios legais que
caracterizassem conflitos raciais abertos¨
Nesse
sentido, podemos dizer que se fez uma apropriação simbólica
que no imaginário social brasileiro, legitimou a supremacia do modelo branco
europeu e em contrapartida, soterrou a
identidade
racial do negro por assim dizer, colocando-o no sistema classificatório racial
em condição inferiorizada.
Retornando
as reflexões de (Hall,2005) ele afirma que: ¨embora pouco significativa em si,
raça é importante como ¨distintivo¨ [insígnia] da herança social, pois
africanos e afrodescendentes tem o que chama de ancestralidade racial em comum porque possuem a mesma história de
sofrimento e barbárie¨.
Com
a finalidade de esclarecimentos é bom que tenhamos em mente que o próprio uso
da palavra raça, em si é inconsistente, incompleto e até mesmo incorreto no que
concerne a sua aplicação em termos de humanidade, o termo mais adequado seria
etnia, pois somos todos pertencentes à raça humana.
2.1 Sobre o racismo.
Podemos
com alguma cautela e em certa medida dizer que o nível de complexidade do
fenômeno do racismo é muito grande, e ainda, que este é dinâmico no tempo e no
espaço, considerando-se que a sociedade também é dinâmica, assim descrito por
(Munanga,2002)¨ O fenômeno do racismo tem uma grande complexidade além de ser
muito dinâmico no tempo e no espaço¨.
Vale
ainda lembrar que a construção do racismo se dá no confronto por assim dizer de
etnias, e, que a definição desta se dá através das seguintes características: a
mesma ancestralidade, território, língua, história, religião e cultura.
¨Considerando que
preconceitos são universais, não existe sociedade sem preconceito e vice-versa
e que a função deste é valorizar tudo relacionado a seu grupo de pertencimento¨
(Munanga,2002).
Retomando o conceito de hegemonia
(Gramsci) faz-se necessário refletimos sobre o papel que as mídias de maneira
geral ocupam dentro de cada cultura sustentando e dando subsídios a fim de dar
lócus aos paradigmas étnico-culturais, perpetuando o fenômeno do racismo. E
ainda no caso específico do Brasil, segundo (Borges,2012):
(...)em
perspectiva ampliada, nos modos em que o imaginário ordena-se em torno
da questão, visto que envolve discriminações acerca do certo ou do errado,
melhor ou pior, belo e feio, normal e desviante, adequado e inadequado, próprio
e impróprio, fornecendo a todos nós padrões com os quais constituímos nossos
horizontes identitários, de ser e bem estar no mundo.
Nesse sentido, observamos uma
espécie de maniqueísmo institucionalizado, que constrói no imaginário social uma
mescla de ¨identidades¨ inacabadas que só reforçam as nossas falhas ou desvios
de conduta ética e moral, pois que nunca chegamos a um elemento seguro de
identidade ou identificação étnica, como já descrito, pois a dinâmica imposta
pela mídia gera essa confusão.
E ainda:
¨São muitas as
conceituações que vêm sendo formuladas fora e dentro do campo da comunicação,
este com seus intelectuais, técnicos, artistas e críticos especializados, para
tentar dar conta da complexidade e alcance dos efeitos socioculturais, de micro
e macro dimensões, originários deste poderoso sistema simbólico(...) Estudiosos
atentos aos danos que envolvem violação de direitos provocados pelo racismo
midiático brasileiro, expresso, tanto na frequentemente citada “invisibilidade”
dos negros nos meios de comunicação, quanto na representação racializada
estigmatizadora desta parcela da sociedade do país nos mais diferentes produtos
midiáticos nacionais.¨(Borges,2012)
É,
pois justamente dentro deste universo simbólico que, explorado pela mídia, faz-se
necessário construirmos solo epistêmico do tema deste trabalho a fim de ampliar
nossos horizontes de compreensão de raça/racismo a fim de superá-lo.
Nessa direção, de um universo
simbólico de significados e significações, que (Munaga, 2000) nos aponta uma
premissa que pode ser considerada elementar para compreendermos o fenômeno
assim descrito:
¨As
diferenças percebidas entre “nós” e os “outros” constituem o ponto de partida
para a formação de diversos tipos de preconceitos, de práticas de discriminação
e de construção das ideologias delas decorrentes. Ao colocar a diferença como
ponto de partida, queremos evitar a confusão que se estabelece na fronteira
entre a noção de preconceito racial e os demais preconceitos baseados sobre
outros tipos de diferenças. Com efeito, no seio de uma sociedade como a
brasileira, encontramos classes sociais, comunidades religiosas, etnias, sexos,
gêneros, culturas, idades etc. diferentes. No seio de alguns países, encontramos
comunidades linguísticas diferentes.¨
Dessa
forma, torna-se fundamental a percepção que temos do mundo dentro de um sistema
de crenças e valores para nossa formação identitária uma vez que, a
interferência por assim dizer das mais variadas formas de ideologias e
percepções que nós temos leva-nos a introjetar e reproduzir preconceitos e
discriminações de maneira trivial.
Por
conta desses elementos que constituem o universo simbólico no qual está
inserido também como descrito por (Munanga,2000), a questão linguística, é que prosseguiremos
através da conceituação de nosso autor norteador deste trabalho, discorrendo
sobre o significado das palavras dentro de um sistema ideológico/político/filosófico,
que pode nos apontar alguns caminhos a fim de superarmos preconceitos e discriminações.
3. Raça como significante flutuante.
Para
compreendermos as reflexões de Stuart Hall quando afirma que raça é um significante
devemos pensar que se atribui sentido e significado mais a uma linguagem
propriamente dita do que a forma ou constituição biológica do ser, ou seja,
raça funciona como linguagem e os significantes se referem a sistemas e
conceitos de classificação dentro de uma cultura para ganhar sentido.
Como
já dissemos em linhas gerais, para que a raça seja compreendida se faz
necessário associa-la a uma determinada cultura para que ganhe sentido, significado
e,
lembrando
que, a cultura assim como as sociedades são
dinâmicas, ou seja, em fluxo constante, mudança permanente, sendo assim, o
conceito de raça pode ganhar novo sentido dentro de sistemas e conceitos de
classificação dependendo da cultura no qual está inserido.
A
título de exemplo os esquimós possuem sete classificações diferentes para
elencar a consistência de neve, assim como nós brasileiros atribuímos à chuva
várias classificações dependendo do grau de sua intensidade; exemplos:
chuvisco, garoa, temporal. Ou seja, na prática, tanto nós brasileiros quanto os
esquimós poderíamos simplesmente atribuir ao signo dentro da nossa cultura os
nomes chuva e neve respectivamente para que nos fizéssemos compreender a
respeito dos fenômenos naturais.
Resumidamente
a função da raça como significante é construir um sistema de equivalência entre
natureza e cultura nas palavras de (Hall,2005): ¨Raça é um sistema cultural.¨ Sendo
assim, para entendermos um sistema de equivalências, apropriamo-nos do signo
linguístico
inserido e normatizado na nossa cultura, operando/trabalhando com ele de
maneira que este tenha sentido, forma, para que possamos atribuir um
significado, ou seja, torna-lo tangível, legível por assim dizer, para nossa
compreensão daquilo que queremos referendar, expressar enquanto pertencimento a
nosso sistema de significados e significações.
Outrossim,
correlaciona-la (Raça) com a cultura, incide
em dizer que complementam-se no sentido da forma que em seu estado de natureza
não teria sentido se o os pressupostos que a definem enquanto signo não
existissem na nossa cultura.
4. Considerações finais.
Até
esta etapa de nosso trabalho, tentamos com algum discernimento, e de certa
maneira, explicitar argumentos relevantes no que concerne a construção da
dimensão social do racismo por entendermos que em nosso cotidiano, nos
defrontamos com as mais variadas situações que nos conferem e, em certa medida,
exigem que expressemos nossas opiniões, posicionamentos ideológico-políticos,
no intuito de sermos avaliados, julgados perante a formação das redes de
relações sociais das quais fazemos parte ou pretendemos pertencer de alguma
maneira.
Dito
isso, com base em nossas pesquisas, observamos que ao longo da história, no
constructo social demonstrado através dos diálogos expostos que, se torna
extremamente
relevante considerarmos as construções
pautadas nestes três eixos: ideológico, político e cultural no tocante a
formação étnica considerando-se as dimensões que estes possuem na formação de
uma identidade ou identificação por assim dizer, sobretudo no que se refere ao
povo brasileiro.
Nesse
sentido, o nosso trabalho teve como objetivo principal demostrar como elementos
construídos socialmente e culturalmente podem e devem dar luz a novas ideias e
concepções de vida de maneira que possamos construir uma sociedade e um mundo
mais justo e solidário e talvez menos cruel, pois não é a cor da pele que define
por assim dizer a humanidade e dignidade do indivíduo e sim a materialização de
suas subjetividades, ou seja, suas ações.
Esperamos que, de
alguma forma, tenhamos contribuído no desenvolvimento de novas pesquisas no que
tange o modelo de opiniões arraigadas de sentimentos conservadores e, que estes
possam e estejam abertos a diálogos mais profundos, criando novas perspectivas
e laços de convivência mais harmoniosos para as futuras gerações.
5. Referências
bibliográficas:
Disponível
em: www.significados.com.br/hegemonia/
BRANQUEAMENTO
E BRANQUITUDE NO BRASIL In: Psicologia social do racismo –
estudos
sobre branquitude e branqueamento no Brasil / Iray Carone, Maria Aparecida
Silva Bento (
Organizadoras) Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. (25-58)
BORGES, Rosane da Silva, MÍDIA, RACISMOS E
REPRESENTAÇÕES DO OUTRO: Ligeiras
reflexões em torno da imagem da mulher negra. In: Rosane da Silva Borges(Org).
Mídia e Racismo,DP et Alii,2012, p.p 7-244.
MUNANGA, Kabengele. Uma
abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade étnica e etnia. Cadernos
Penesb, Niterói, n.5, p. 17-34, 2000.
NIETZSCHE, Friedrich, O anticristo, Escala,
2008,pg.61
BERNARDINO, Joaze. Ação Afirmativa
e a Rediscussão do Mito da Democracia Racial no Brasil In: Estudos
Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 2, 2002, pp. 247-273 .
Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de
Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.
O signo linguístico é um elemento
representativo que apresenta dois aspectos: o significado e o significante. Ao escutar a palavra cachorro,
reconhecemos a sequência de sons que formam essa palavra. Esses sons se
identificam com a lembrança deles que está em nossa memória.