segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Atributos sociológicos no pensamento de Stuart Hall para compreendermos o racismo na contemporaneidade.

ARTIGO

Atributos sociológicos no pensamento de Stuart Hall para compreendermos o racismo na contemporaneidade.

Sociological attributes at the thought of Stuart Hall to understand racism nowadays.

Ricardo de Oliveira de Almeida[1]


RESUMO:
Este trabalho tem como objetivo principal elucidar-nos enquanto sujeitos acerca de questões pertinentes à construção social do racismo, através do trabalho significativo de Stuart Hall[2] intitulado ¨Raça o significante flutuante¨, por entendermos que, em seus escritos, encontramos subsídios necessários a fim de atenuar preconceitos construídos histórico e socialmente à formação humana.
PALAVRAS–CHAVE:  Raça. Racismo. Classificação racial. Significante flutuante.

ABSTRACT :
               This study aims to elucidate -In as subjects on issues relevant to the social construction of racism through the meaningful work of Stuart Hall race called the floating signifier , because we believe that , in his writings , we find necessary support in order to mitigate historically and socially built prejudices to human training.

         KEYWORDS:   Race. Racism. Racial classification. Significant floating.




1.  Introdução.
           Iniciamos nossas reflexões e argumentações justificando a escolha por este renomado e reconhecido autor/pesquisador Jamaicano no que concerne a construção e difusão científico-acadêmica em razão da formação humana através da teoria social por ele construída ao longo de sua vida engajado na defesa de ações afirmativas que se tornaram singularmente relevantes e atualmente, sobretudo na sociedade brasileira, ganha um foco destacado visto os constantes episódios de barbárie e crueldade no que se refere às questões de relações etinicorraciais. E na sua percepção, não foram avaliados e mapeados de forma adequada os efeitos de pensar raça como significante numa perspectiva político/ideológica a fim de mobilizar questões e estratégias de educação antirracistas.
E não obstante por desenvolver sólida construção acadêmica no campo dos conceitos de hegemonia[3] e cultura, assumindo uma posição pós-gramsciana. Ele considera o uso da linguagem como operador de uma estrutura de poder, instituições, política/economia. Essa visão apresenta as pessoas como produtoras e consumidoras de cultura ao mesmo tempo.
Dito isto, para elucidar-nos sobre esta concepção, os estudos culturais de Stuart Hall foram fundamentais no processo de compreensão da cultura como instrumento de dominação, a partir de uma concepção Marxista e Gramsciana.
Baseando-se nos conceitos de estrutura e superestrutura, podemos dizer que a hegemonia está pautada numa dominação ideológica, não coercitiva que se perpetua por aceitação do dominado associado ao consenso dentro de uma estrutura menor, ou seja, o que poderíamos denominar de microestrutura. É valido salientar que, por comodismo ou insatisfação ou quaisquer outras subjetividades de um grupo ou classe social, dentro de um sistema de crenças, valores e outras manifestações culturais, determinados paradigmas acabam sendo vistos como preferíveis a outros atribuídos pelo conceito em questão, o que de alguma forma ou em certa medida, possibilita arraigar e validar o status quo como naturalizado ou naturalizante ou seja, secular.



          2. Sobre o conceito de raça.

Na fala de (Munanga,2000) assim ele descreve a criação do conceito de raça:

¨No século XV, quando os navegadores europeus descobriram povos fisicamente diferentes deles, isto é, os ameríndios, os africanos, os “primitivos” da Oceania, entre outros, colocou-se a questão de saber se esses recém descobertos eram bestas ou seres humanos como os europeus. Para que pudessem ser integrados na categoria humana, era preciso comprovar que eram, antes do mais nada, também descendentes de Adão como os europeus. Em outros termos, que eles tinham o mesmo ancestral comum masculino dos europeus, de acordo com o mito bíblico da criação. Lembremo-nos que entre os séculos XV e XVII, o monopólio do conhecimento e da explicação da origem da humanidade estava nas mãos da Igreja, através da Teologia.¨


E ainda:
¨Num debate teológico cujo palco principal se encontrava na península ibérica, conseguiu-se demonstrar que os índios e os negros tinham referência na bíblia e na escritura santa, o que comprovara sua descendência adâmica e, consequentemente, sua humanidade. ¨


De maneira sintetizada, podemos concluir que a primeira tentativa de classificação racial, foi pautada nos pressupostos da religiosidade. Nesse momento de nosso trabalho sem querer desviar o foco, cabemo-nos compormos uma construção crítica nas falas de (Nietzsche, 2008):
¨Em termos psicológicos, os ¨pecados¨ se tornam indispensáveis em toda sociedade organizada pelos sacerdotes; eles são os verdadeiros instrumentos de manipulação do poder, o sacerdote vive dos pecados, ele tem necessidade que se ¨peque¨...Princípio supremo: ¨Deus perdoa aquele que faz penitência¨ - traduzindo: aquele que se submete ao sacerdote.¨

Referendamos a obra O Anticristo que de forma irônica e sarcástica faz uma alusão à hierarquização da igreja católica por intermédio de seus sacerdotes, onde resumidamente tudo que não pertencesse aos critérios religiosos secularizados à época, era visto como pecaminoso, impuro, e nesse sentido, considerando o conceito de raça, indiretamente ou por analogia como inferior, caso não se enquadrasse nos termos bíblicos por assim dizer.
Segundo (Hall,2005), raça é uma construção discursiva, é um dos principais conceitos que organiza os grandes sistemas classificatórios da diferença que operam em sociedades humanas.

 E ainda:

¨(...) dizer que raça é uma categoria discursiva é reconhecer que todas as tentativas de fundamentar esse conceito na ciência, localizando as diferenças entre as raças no terreno da ciência biológica ou genética, se mostraram insustentáveis. Precisamos, portanto —  diz-se —  substituir a definição biológica de raça pela sócio histórica ou cultural¨(idem).

Desta forma, pensarmos que raça serve como um sistema classificatório nos imbui em refletirmos como, e quem é que classifica, ou seja, quais fatores determinaram e determinam até os dias atuais esta ordenação classificatória? Segundo (Bento,2002), O modelo racial branco(europeu) apareceu [no Brasil] como ideal e universal, e, por conseguinte, suas características como padrão a ser seguido e mantido(...).
E: ¨Entre os séculos XVIII e XIX houve uma hierarquização promovida pela comunidade científica que culminou no racialismo e legitimou os sistemas de dominação da época (colonização e escravidão)¨ (Munanga,2000).
E segundo (Bernardino,2002) pautado no mito da democracia racial no Brasil, acrescenta:
¨Por não ter sido construída nos mesmos moldes dos EUA e da África do Sul, a sociedade brasileira acredita viver uma democracia racial, visto que não existiram princípios legais que caracterizassem conflitos raciais abertos¨[4]

Nesse sentido, podemos dizer que se fez uma apropriação simbólica[5] que no imaginário social brasileiro, legitimou a supremacia do modelo branco europeu e em contrapartida, soterrou a identidade racial do negro por assim dizer, colocando-o no sistema classificatório racial em condição inferiorizada.
Retornando as reflexões de (Hall,2005) ele afirma que: ¨embora pouco significativa em si, raça é importante como ¨distintivo¨ [insígnia] da herança social, pois africanos e afrodescendentes tem o que chama de ancestralidade racial em  comum porque possuem a mesma história de sofrimento e barbárie¨.
Com a finalidade de esclarecimentos é bom que tenhamos em mente que o próprio uso da palavra raça, em si é inconsistente, incompleto e até mesmo incorreto no que concerne a sua aplicação em termos de humanidade, o termo mais adequado seria etnia, pois somos todos pertencentes à raça humana.
2.1 Sobre o racismo.
Podemos com alguma cautela e em certa medida dizer que o nível de complexidade do fenômeno do racismo é muito grande, e ainda, que este é dinâmico no tempo e no espaço, considerando-se que a sociedade também é dinâmica, assim descrito por (Munanga,2002)¨ O fenômeno do racismo tem uma grande complexidade além de ser muito dinâmico no tempo e no espaço¨.
Vale ainda lembrar que a construção do racismo se dá no confronto por assim dizer de etnias, e, que a definição desta se dá através das seguintes características: a mesma ancestralidade, território, língua, história, religião e cultura.
¨Considerando que preconceitos são universais, não existe sociedade sem preconceito e vice-versa e que a função deste é valorizar tudo relacionado a seu grupo de pertencimento¨ (Munanga,2002).

              Retomando o conceito de hegemonia (Gramsci) faz-se necessário refletimos sobre o papel que as mídias de maneira geral ocupam dentro de cada cultura sustentando e dando subsídios a fim de dar lócus aos paradigmas étnico-culturais, perpetuando o fenômeno do racismo. E ainda no caso específico do Brasil, segundo (Borges,2012):

(...)em perspectiva ampliada, nos modos em que o imaginário ordena-se em torno da questão, visto que envolve discriminações acerca do certo ou do errado, melhor ou pior, belo e feio, normal e desviante, adequado e inadequado, próprio e impróprio, fornecendo a todos nós padrões com os quais constituímos nossos horizontes identitários, de ser e bem estar no mundo.
              Nesse sentido, observamos uma espécie de maniqueísmo institucionalizado, que constrói no imaginário social uma mescla de ¨identidades¨ inacabadas que só reforçam as nossas falhas ou desvios de conduta ética e moral, pois que nunca chegamos a um elemento seguro de identidade ou identificação étnica, como já descrito, pois a dinâmica imposta pela mídia gera essa confusão.
          E ainda:

¨São muitas as conceituações que vêm sendo formuladas fora e dentro do campo da comunicação, este com seus intelectuais, técnicos, artistas e críticos especializados, para tentar dar conta da complexidade e alcance dos efeitos socioculturais, de micro e macro dimensões, originários deste poderoso sistema simbólico(...) Estudiosos atentos aos danos que envolvem violação de direitos provocados pelo racismo midiático brasileiro, expresso, tanto na frequentemente citada “invisibilidade” dos negros nos meios de comunicação, quanto na representação racializada estigmatizadora desta parcela da sociedade do país nos mais diferentes produtos midiáticos nacionais.¨(Borges,2012)


É, pois justamente dentro deste universo simbólico que, explorado pela mídia, faz-se necessário construirmos solo epistêmico do tema deste trabalho a fim de ampliar nossos horizontes de compreensão de raça/racismo a fim de superá-lo.
              Nessa direção, de um universo simbólico de significados e significações, que (Munaga, 2000) nos aponta uma premissa que pode ser considerada elementar para compreendermos o fenômeno assim descrito:
¨As diferenças percebidas entre “nós” e os “outros” constituem o ponto de partida para a formação de diversos tipos de preconceitos, de práticas de discriminação e de construção das ideologias delas decorrentes. Ao colocar a diferença como ponto de partida, queremos evitar a confusão que se estabelece na fronteira entre a noção de preconceito racial e os demais preconceitos baseados sobre outros tipos de diferenças. Com efeito, no seio de uma sociedade como a brasileira, encontramos classes sociais, comunidades religiosas, etnias, sexos, gêneros, culturas, idades etc. diferentes. No seio de alguns países, encontramos comunidades linguísticas diferentes.¨


            Dessa forma, torna-se fundamental a percepção que temos do mundo dentro de um sistema de crenças e valores para nossa formação identitária uma vez que, a interferência por assim dizer das mais variadas formas de ideologias e percepções que nós temos leva-nos a introjetar e reproduzir preconceitos e discriminações de maneira trivial.
            Por conta desses elementos que constituem o universo simbólico no qual está inserido também como descrito por (Munanga,2000), a questão linguística, é que prosseguiremos através da conceituação de nosso autor norteador deste trabalho, discorrendo sobre o significado das palavras dentro de um sistema ideológico/político/filosófico, que pode nos apontar alguns caminhos a fim de  superarmos  preconceitos e discriminações.

3. Raça como significante flutuante.
Para compreendermos as reflexões de Stuart Hall quando afirma que raça é um significante devemos pensar que se atribui sentido e significado mais a uma linguagem propriamente dita do que a forma ou constituição biológica do ser, ou seja, raça funciona como linguagem e os significantes se referem a sistemas e conceitos de classificação dentro de uma cultura para ganhar sentido.
Como já dissemos em linhas gerais, para que a raça seja compreendida se faz necessário associa-la a uma determinada cultura para que ganhe sentido, significado e, lembrando que, a cultura assim como as sociedades são dinâmicas, ou seja, em fluxo constante, mudança permanente, sendo assim, o conceito de raça pode ganhar novo sentido dentro de sistemas e conceitos de classificação dependendo da cultura no qual está inserido.
A título de exemplo os esquimós possuem sete classificações diferentes para elencar a consistência de neve, assim como nós brasileiros atribuímos à chuva várias classificações dependendo do grau de sua intensidade; exemplos: chuvisco, garoa, temporal. Ou seja, na prática, tanto nós brasileiros quanto os esquimós poderíamos simplesmente atribuir ao signo dentro da nossa cultura os nomes chuva e neve respectivamente para que nos fizéssemos compreender a respeito dos fenômenos naturais.
Resumidamente a função da raça como significante é construir um sistema de equivalência entre natureza e cultura nas palavras de (Hall,2005): ¨Raça é um sistema cultural.¨ Sendo assim, para entendermos um sistema de equivalências, apropriamo-nos do signo linguístico [6] inserido e normatizado na nossa cultura, operando/trabalhando com ele de maneira que este tenha sentido, forma, para que possamos atribuir um significado, ou seja, torna-lo tangível, legível por assim dizer, para nossa compreensão daquilo que queremos referendar, expressar enquanto pertencimento a nosso sistema de significados e significações.
Outrossim, correlaciona-la (Raça) com a cultura,  incide em dizer que complementam-se no sentido da forma que em seu estado de natureza não teria sentido se o os pressupostos que a definem enquanto signo não existissem na nossa cultura.
4. Considerações finais.
Até esta etapa de nosso trabalho, tentamos com algum discernimento, e de certa maneira, explicitar argumentos relevantes no que concerne a construção da dimensão social do racismo por entendermos que em nosso cotidiano, nos defrontamos com as mais variadas situações que nos conferem e, em certa medida, exigem que expressemos nossas opiniões, posicionamentos ideológico-políticos, no intuito de sermos avaliados, julgados perante a formação das redes de relações sociais das quais fazemos parte ou pretendemos pertencer de alguma maneira.
            Dito isso, com base em nossas pesquisas, observamos que ao longo da história, no constructo social demonstrado através dos diálogos expostos que, se torna extremamente relevante considerarmos as construções pautadas nestes três eixos: ideológico, político e cultural no tocante a formação étnica considerando-se as dimensões que estes possuem na formação de uma identidade ou identificação por assim dizer, sobretudo no que se refere ao povo brasileiro.
            Nesse sentido, o nosso trabalho teve como objetivo principal demostrar como elementos construídos socialmente e culturalmente podem e devem dar luz a novas ideias e concepções de vida de maneira que possamos construir uma sociedade e um mundo mais justo e solidário e talvez menos cruel, pois não é a cor da pele que define por assim dizer a humanidade e dignidade do indivíduo e sim a materialização de suas subjetividades, ou seja, suas ações.  
           Esperamos que, de alguma forma, tenhamos contribuído no desenvolvimento de novas pesquisas no que tange o modelo de opiniões arraigadas de sentimentos conservadores e, que estes possam e estejam abertos a diálogos mais profundos, criando novas perspectivas e laços de convivência mais harmoniosos para as futuras gerações.



5. Referências bibliográficas:
Disponível em: www.significados.com.br/hegemonia/

BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL In: Psicologia social do racismo –
estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil / Iray Carone, Maria Aparecida
Silva Bento ( Organizadoras) Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. (25-58)
BORGES, Rosane da Silva, MÍDIA, RACISMOS E REPRESENTAÇÕES DO OUTRO:  Ligeiras reflexões em torno da imagem da mulher negra. In: Rosane da Silva Borges(Org). Mídia e Racismo,DP et Alii,2012, p.p 7-244.
BURDIEU, Pierre; O Poder simbólico: disponível em: http://monoskop.org/images/b/b3/Bourdieu_Pierre_O_poder_simbolico_1989.pdf
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade étnica e etnia. Cadernos Penesb, Niterói, n.5, p. 17-34, 2000.

NIETZSCHE, Friedrich, O anticristo, Escala, 2008,pg.61
BERNARDINO, Joaze. Ação Afirmativa e a Rediscussão do Mito da Democracia Racial no Brasil In: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 2, 2002, pp. 247-273 .













[1] Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.
[2] Stuart Hall, nascido na então colônia da Jamaica em 1932, migrou para a Inglaterra em 1951.  Preocupou-se desde cedo com questões pós-coloniais e questões ligadas ao racismo. Dirigiu o Centre for Contemporary Cultural Studies, da University of Birmingham, e o Departamento de Sociologia, da Open University, até se aposentar em 1997.
[3] Para Gramsci, hegemonia é o domínio de uma classe social sobre as outras, em termos ideológicos, em especial da burguesia com as classes de trabalhadores.
[4] Como o Jim Crow e o Apartheid.
[5] Ler Pierre Burdieu O Poder simbólico.
[6] O signo linguístico é um elemento representativo que apresenta dois aspectos: o significado e o significante. Ao escutar a palavra cachorro, reconhecemos a sequência de sons que formam essa palavra. Esses sons se identificam com a lembrança deles que está em nossa memória.

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