1
- O por vir do passado
-
Canclini questiona como o sentido histórico intervém na constituição dos
agentes centrais para a constituição de identidades modernas, como as escolas e
museus, qual é o papel dos ritos e das comemorações na renovação da hegemonia
política.
- Resistência a modernidade
– os modernizadores para legitimar sua hegemonia precisam persuadir seus
destinatários que ao mesmo tempo que renovam a sociedade, prolongam as
tradições compartilhadas. Posto que pretendem abarcar todos os setores, os
projetos modernos se apropriam dos bens históricos e das tradições populares.
- A necessidade de apoiarem-se
uns nos outros – leva a alianças frequentes entre grupos culturais e religiosos
fundamentalistas com grupos econômicos e tecnocratas modernizadores – na medida
em que suas posições são contraditórias, essas alianças são quebradas ou
instalam tensões explosivas.
- Nos estudos e debates
sobre a modernidade latino-americana a questão dos usos sociais do patrimônio
continua ausente, como se o patrimônio histórico fosse de competência exclusiva
dos restauradores, arqueólogos e museólogos, especialistas do passado.
- é necessário analisar
as funções do patrimônio histórico para explicar por que os fundamentalismos, a
idealização dogmática desses referentes aparentemente estranhos a modernidade ,
têm-se reativado nos últimos anos.
- o patrimônio cultural
de apresenta alheio aos debates sobre a modernidade, constitui o recurso menos
suspeito para garantir a cumplicidade social.
- Pois esse conjunto de
práticas tradicionais que nos identificam como nação ou povo , é apreciado como
um dom, algo que recebemos do passado com tal prestigio simbólico que não cabe
discuti-lo – as únicas operações possíveis são preserva-los, restaurá-los,
difundi-los – são a base mais secreta da simulação social que nos mantem
juntos.
- A perenidade desses
bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e torna-os fontes do
consenso coletivo, para além das divisões entre classes, etnias e grupos que
cindem a sociedade e diferenciam os modos de apropriar-se do patrimônio.
- O patrimônio é o
lugar onde melhor sobrevive, hoje, a ideologia dos setores oligárquicos.
- A conservação desses
bens arcaicos, teria pouco a ver com a sua utilidade atual. Preservar um lugar
histórico, certos móveis e costumes, é uma tarefa sem outro fim que o de
guardar modelos estéticos e simbólicos. Sua conservação inalterada
testemunharia que a essência desse passado glorioso sobrevive às mudanças.
2.A
teatralização do poder
- Entender as relações
da modernidade com o passado requer examinar as operações de ritualização
cultural.
- o patrimônio existe
como força politica na medida em que ele é teatralizado: em comemorações,
monumentos e museus. Na América latina o analfabetismo tornou possível que a
cultura fosse predominantemente visual.
- Ser culto então é
apreender um conjunto de conhecimentos , em grande medida icônicos , sobre a
própria história e também participar dos palcos em que os grupos hegemônicos
fazem com que a sociedade apresente para si mesma o espetáculo de sua origem.
- Canclini pretende
deter-se principalmente na construção visual e cênica da significação
diferentemente das analises habituais sobre ideologia.
- Canclini cita o fato
de que a teatralização da vida cotidiana e do poder foi estudada há poucos anos
por interacionistas simbólicos e estruturalistas, mas já havia sido reconhecida
por escritores e filósofos que viram nela elemento fundamental na constituição
da burguesia, dos burgos, da cidade. Existindo antecedentes da concepção de
vida como teatro já em Platão, Nas leis e
no Satiricon de Petrônio. Mas o que
lhe interessa é o sentido moderno de encenação que alguns homens realizam
diante de outros homens, da maneira como começaram a observar Diderot, Rousseau
e Balzac: a atuação social como encenação, simulacro, espelho de espelhos, sem
modelo original.
- A teatralização do
patrimônio é o esforço para simular que há uma origem, uma substância fundadora
em relação a qual deveríamos atuar hoje. Essa é a base das políticas sociais
autoritárias. “O mundo é um palco, mas o
que deve ser representado já está prescrito.” As práticas e os objetos valiosos
encontram-se catalogados em um repertório fixo. Ser culto implica conhecer esse
repertório de bens simbólicos e intervir corretamente nos rituais que o
reproduzem. Por isso as noções de
coleção e ritual são fundamentais para desmontar vínculos entre cultura e
poder.
- O fundamento
filosófico do tradicionalismo se resume na certeza de que há uma coincidência
ontológica entre a realidade e representação, entre a sociedade e as coleções
de símbolos que a representam. O que se
defini por patrimônio e identidade pretende
ser o reflexo fiel da essência nacional.
- Celebra-se o
patrimônio histórico constituído pelos acontecimentos fundadores, os heróis que
os protagonizaram e os objetos fetichizados que os evocam. Os ritos legítimos
são os que encenam o desejo de repetição e perpetuação da ordem.
- As relações entre
governo e povo consistem na encenação do que se supõe ser o patrimônio
definitivo da nação. Os políticos e os sacerdotes são os atores vicários desse
drama.
- De acordo com
Canclini : “ hoje sabemos que toda política é feita, em parte, com recursos
teatrais: as inaugurações do que não se sabe se vai ter fundos para funcionar,
as promessas do que não se pode cumprir, o reconhecimento público dos direitos
que serão negados em privado.”
- O sentido dramático
da comemoração é acentuado pelos silêncios enquanto se oferece o palco ritual
para que todos compartilhem um saber que é um conjunto de subentendidos. (...)
Todo grupo que quer diferenciar-se e afirmar sua identidade faz uso tácito ou
hermético de códigos de identificação fundamentais para coesão interna e para
proteger-se frente a estranhos.
- Nos regimes
conservadores a politica cultural costuma reduzir-se à administração do
patrimônio preexistente e à reiteração de interpretações estabelecidas, (...)
buscam uma maior identificação do publico alvo com o capital cultural
acumulado, com sua distribuição e usos vigentes. Para o conservadorismo
patrimonialista o fim último da cultura é converter-se em natureza. Ser natural
como um dom.
- A escola é um palco
fundamental para a teatralização do patrimônio. Transmite em cursos
sistemáticos o saber sobre os bens que constituem o acervo natural e histórico.
(...) a excessiva ritualização , como único paradigma , usado dogmaticamente ,
condiciona seus praticantes para que se comportem de maneira uniforme em
contextos idênticos e incapacita para agir quando as perguntas são diferentes e
os elementos da ação estão articulados de outra maneira.
- Nos processos
sociais, as relações altamente ritualizadas com um único e excludente
patrimônio histórico – nacional ou regional – dificultam o desempenho em situações
mutáveis, as aprendizagens autônomas e a produção de inovações. O
tradicionalismo substancialista incapacita para viver no mundo contemporâneo,
que se caracteriza, de acordo com o autor por sua heterogeneidade, mobilidade e
desterritorialização.
- O tradicionalismo
aparece muitas vezes como recurso para suportar as contradições contemporâneas.
(...) Frente à impotência para enfrentar as desordens sociais, o empobrecimento
econômico e os desafios tecnológicos, frente a dificuldade para entendê-los, a
evocação de tempos remotos reinstala na
vida contemporânea arcaísmo que a modernidade havia substituído. A comemoração
se torna uma prática compensatória: se não podemos competir com as tecnologias
avançadas celebremos nosso artesanato e técnicas antigas; se os paradigmas
ideológicos modernos parecem inúteis para dar conta do presente e não surgem
novos, reconsagremos os dogmas religiosos ou os cultos esotéricos que
fundamentaram a vida antes da modernidade.
- As mudanças na
concepção do museu-inserção nos centros culturais, criação dos ecomuseus, de
museus comunitários, escolares , de sítio e várias inovações cênicas e
comunicacionais ( ambientações, serviços educacionais, introdução de vídeo...)
impedem de continuar falando dessas instituições como simples depósitos do
passado. – Hoje devemos reconhecer que as alianças involuntárias ou
deliberadas, dos museus com os meios de comunicação de massa e o turismo foram
mais eficazes para a difusão cultural que as tentativas dos artistas de levar a
artes as ruas.
- A crise do museus não
se encerrou, uma caudalosa bibliografia continua indagando sobre o obstinado
anacronismo de muitos deles e sobre a violência que exercem sobre os bens
culturais ao arrancá-los de seu texto originário e reorganizá-los sob uma visão
espetacular da vida. São debatidas as mudanças de que necessita uma
instituição, marcada desde a sua origem pelas estratégias mais elitistas, para
rever sua posição na industrialização e democratização da cultura.
- As ações tardias a
favor do patrimônio costumam ser obra da sociedade civil, de empresas privadas
ou grupos comunitários.(...) em alguns países que conseguiram construir bons
museus de história e de arte, grande parte deles pertence a bancos, fundações e
associações não estatais. concentram-se nas grandes cidades, atuam sem conexão
entre si e com o sistema educativo em parte porque dependem de órgãos
particulares e também pela falta de uma politica cultural orgânica a nível
nacional. Servem mais como conservadores de uma pequena porção de patrimônio,
como recurso de promoção turística e publicidade de empresas privadas do que
como formadores de uma cultura visual coletiva.
- A partir dos anos de
1950, quando se institucionalizou a revolução e as correntes modernizadoras se
impuseram na politica governamental, o patrimônio foi organizado em museus
diferenciados. O desenvolvimento industrial e turístico, a maior
profissionalização de artistas e cientistas sociais contribuíram para separar o
histórico do artístico, o tradicional do moderno, o culto do popular. A fim de
criar espaços próprios de consagração e exibição, para cada setor surgiu uma
complexa rede de museus que se multiplicaram a cada seis anos e constituem,
junto com as escolas e os meios de comunicação de massa, os cenários para
classificação e valorização dos bens culturais.
- Com o objetivo de
compreender as estratégias com que os particulares e o Estado põe em cena o
patrimônio cultural, Canclini analisa dois casos representativos das políticas
museográficas desenvolvidas no México, escolhidas, segundo o autor, porque
coincidem com as ensaiadas em outros países latino-americanos para inserir o
culto tradicional na modernidade.
- A primeira estratégia
é a espiritualização esteticista do patrimônio. A segunda é a ritualização
histórica e antropológica. Caclini ressalta que analisará as duas politicas com
a intenção de averiguar se seus modos de consagrar a cultura nacional podem
sustentar-se nessa época de crise radical dos nacionalismos.
- A estetização do
patrimônio – os objetos antigos são separados das relações sócias para as quais
foram produzidos; são impostos a culturas que integravam a arte e a religião, a
politica e a economia, os critérios de autonomização das esculturas e quadros
inaugurados pela estética moderna; os objetos se convertem em obras e seu valor
se reduz ao jogo formal que estabelecem graças a vizinhança com outros nesse
espaço neutro, aparentemente fora da história, que é o museu. Desvinculadas das
referencias semânticas e pragmáticas, essas peças são vistas segundo o sentido
que as relações estéticas lhes fixam, que estabelece entre elas a sintaxe
arbitrária do programa de exposição.
- A museografia
esteticista não expulsa a cerimonialidade do museu. Cria outro tipo de ritual,
não o que dava sentido social a essas peças, mas o desses templos laicos
fundados para celebrar a supremacia do olhar culto. A solenidade dos edifícios,
a complexidade das mensagens que transmitem as dificuldades, para entende-los
obrigam a atuar neles como quem representa docilmente um texto dramático que
prescreve a maneira pelo qual o visitante deve mover-se, falar e sobretudo ,
calar, se quiser que sua ação tenha sentido.
- De acordo Canclini, é
inegável que esse tipo de museu contribui para aproximar as culturas, fazê-las
conhecer-se entre si e dar-nos provas visuais de uma história universal comum.
Ao tornar patente que nosso povo e nossos antigos artistas tem uma história
criativa, mas ao mesmo tempo não são os únicos que criam, devemos a eles ter
feito oscilar as mesquinhas certezas do etnocentrismo muito antes que os meios
de comunicação de massa.
- “ a fascinação frente
a beleza, anula o assombro frente ao diferente” – Pede-se a contemplação, não o
esforço que deve fazer quem chega a outra sociedade e precisa aprender sua
língua, suas maneiras de cozinhar e de comer, de trabalhar e alegrar-se. Esse
museus servem pouco para relativizar os próprios hábitos, porque não se parecem
com o antropólogo que ao ir para um outro grupo se descentra de seu universo;
assemelham-se mais ao computador ou ao vídeo que trazem informação para nossa
casa e adaptam aos esquemas conhecidos. Entregam aos familiarizados com a
estética culta uma visão doméstica da cultura universal.
- Museu nacional de
antropologia mexicano ( representa
unificação estabelecida pela nacionalismo politico no México
contemporâneo ) monumentalização (concentração de objetos grandiosos e
diversos) e ritualização nacionalista – os monumentos mais enfáticos são os que
se referem a acontecimentos fundadores da nação – a retórica monumentalista não
foi construída somente com o gigantesco ,mas por seu contraste com o pequeno. –
Esse museu propõe uma versão monumentalizada do patrimônio mediante a exibição
de peças gigantes, a evocação mitificada de cenas reais e o acúmulo de
miniaturas. A maior façanha do museu reside em dar uma visão tradicionalista da
cultura mexicana dentro de um invólucro arquitetônico moderno e usando técnicas
museográficas recentes. Tudo leva a exaltar o patrimônio arcaico, supostamente
puro e autônomo, sem impor de forma dogmática essa perspectiva. Apresenta-o de
um modo aberto, que permite, ao mesmo tempo admirar o monumental e deter-se em
uma relação reflexiva, por momentos íntima, com o que exibe.
- De acordo com
Canclini essas duas oscilações – monumentalização e miniaturarização – entre
exterior e interior – São complementares. A história se enlaça com a
cotidianidade graças ao fato de o que a realidade apresenta de indefinido e
indefinível é assimilado pela duplicação imaginária da museografia.
- O museu de
antropologia do México torna visíveis ainda outras operações fundamentais no
tratamento moderno do patrimônio , amplia o repertório incluindo o popular.
Mais ainda : diz que a cultura nacional tem sua fonte e seu eixo no indígena.
Essa abertura se faz , contudo, estabelecendo limites para o étnico,
equivalentes aos que se praticam nas relações sociais.( Separação da cultura
antiga da cultura atual – utilizando a diferença entre arqueologia e
etnografia) – é um museu onde as pautas científicas organizam o material e dão
explicações consistentes. Onde se reproduz a especialização das ciências antropológicas,
na exibição separada do arqueológico e do etnográfico.
Rumo
a uma teoria social do patrimônio
-
As
evidencias de que o patrimônio histórico é um dos cenários fundamentais para a
produção de valor, da identidade e da distinção dos setores hegemônicos
modernos, sugerem recorrer a teorias sociais que pensaram essas questões de um
modo menos complacente.
- Se considerarmos os
usos do patrimônio a partir dos estudos sobre reprodução cultural e
desigualdade social, vemos que os bens reunidos na história por cada sociedade
não pertencem realmente a todos, mesmo que formalmente pareçam ser de todos e
estejam disponíveis para que todos os usem.
- As investigações
sociológicas e antropológicas sobre as maneiras pelas quais se transmite o
saber de cada sociedade através das escolas e museus demonstram que diversos
grupos se apropriaram de formas diferentes e desiguais da herança cultural – a
medida que descemos na escala econômica e educacional diminui a capacidade de
apropriar-se do capital cultural transmitido por essas instituições.
- essa capacidade
diferenciada de relacionar-se com o patrimônio se origina, em primeiro lugar,
na maneira desigual pela qual os grupos sociais participam de sua formação e
manutenção.
- Mesmo nos países em
que o discurso oficial adota a noção antropológica de cultura, aquele que
confere legitimidade a todas as formas de organizar e simbolizar a vida social,
existe uma hierarquia dos capitais culturais: a arte vale mais que o
artesanato, a medicina científica mais que a popular, a cultura escrita mais
que a transmitida oralmente. Mesmo nos países mais democráticos, os capitais
simbólicos dos grupos subalternos, têm um lugar, mas um lugar subordinado,
secundário, ou à margem das instituições e dos dispositivos hegemônicos. Por isso
a reformulação do patrimônio em termos de capital cultural tem a vantagem de
não representá-lo como um conjunto de bens estáveis e neutros, com valores e
sentidos fixados de uma vez para sempre, mas como um processo social que, com o
outro capital, acumula-se, reestrutura-se, produz rendimentos e é apropriado de
maneira desigual por diversos setores.
- Ainda que o
patrimônio sirva para unificar cada nação, as desigualdades em sua formação e
apropriação exigem estudá-lo também como espaço de luta material e simbólica entre as classes, as
etnias e os grupos.
- Na atualidade, as
diferenças regionais e setoriais, originadas pela heterogeneidade de
experiências e pela divisão técnica e social do trabalho, são utilizadas pelas
classes hegemônicas para obter uma apropriação privilegiada do patrimônio
comum.
- O patrimônio cultural funciona como recurso
para reproduzir as diferenças entre os grupos sociais e a hegemonia dos que
conseguem um acesso preferencial à produção e à distribuição de bens.- Os
setores dominantes não apenas definem que bens são superiores e merecem ser
conservados como também dispõe dos meios econômicos e intelectuais, do tempo de
trabalho e do ócio, para imprimir a esse bens maior qualidade e refinamento.
- Os produtos gerados
pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e
mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem,
nesse sentido, seu patrimônio próprio.- (...) a desigualdade estrutural impede
de reunir todos os requisitos indispensáveis para intervir plenamente no
desenvolvimento do patrimônio em sociedades complexas.
- as vantagens das
elites tradicionais na formação e nos usos do patrimônio se relativizam frente
às transformações geradas pela indústrias culturais. A redistribuição
maciça dos bens simbólicos tradicionais
pelos canais eletrônicos de comunicação gera interações mais fluidas entre o
culto e o popular, o tradicional e o moderno.
- O discurso politico
continua associando preferencialmente a unidade e a continuidade da nação com o
patrimônio tradicional, com espaços e bens antigos, que serviriam para tornar
coesa a população.
- O arcaico é o que
pertence ao passado e é reconhecido como tal por aqueles que hoje o revivem,
quase sempre de um modo “deliberadamente especializado”. Ao contrário, o
residual formou-se no passado, mas ainda se encontra em atividade dentro dos
processos culturais. O emergente designa os novos significados e valores, novas
práticas e relações sociais.
- As politicas
culturais menos eficazes são as que se aferram ao arcaico e ignoram o
emergente, porque não conseguem articular a recuperação da densidade histórica
com os significados recentes gerados pelas práticas inovadoras na produção e no
consumo.
- Talvez a crise da
forma tradicional em se pensar o patrimônio se manifeste de forma mais aguda em
sua valorização estética e filosófica. O critério fundamental é o da
autenticidade.- Segundo o autor tal
critério é empregado na bibliografia sobre patrimônio para demarcar o universo de bens e práticas que merece ser
considerado pelos cientistas sociais e pelas políticas culturais. é como se não
pudesse se levar em conta que a atual circulação e consumo dos bens simbólicos
limitou as condições de produção que em outro tempo tornaram possível o mito da
originalidade, tanto na arte de elites e na popular, quanto no patrimônio
cultural tradicional.
- Houve uma época que
os museus produziam cópias de obras antigas para expô-las à intempéries e ao
contato com visitantes. Depois a reprodução das pinturas esculturas e objetos
tentou levar os museus à educação e ao mercado turístico. Em muitos casos, as
novas peças, feitas por arqueólogos ou técnicos em restauração, alcançam tal
fidelidade que se torna quase impossível diferenciá-las do original.
- A diferença entre
original e cópia é essencial para a investigação científica e artística da
cultura. Também importa diferencia-los na difusão do patrimônio. Não há por que
confundir o reconhecimento do valor de certos bens com a utilização
conservadora que fazem deles algumas tendências políticas. Existem objetos e
práticas que merecem ser especialmente valorizados porque representam
descobertas para o saber, inovações formais e sensíveis ou acontecimentos
fundadores na história de um povo. Mas esse reconhecimento não tem por que
levar a fazer do autêntico o núcleo de uma concepção arcaizante da sociedade e
pretender que os museus, como templos ou parques nacionais do espirito, sejam
guardiões da verdadeira cultura, refugio frente à adulteração que nos afligiria
na sociedade de massa.
- a oposição maníaca
dos conservadores entre o passado tido como sacro e um presente profano que
banaliza a herança, apresenta pelo menos duas dificuldades: 1 – idealiza algum
momento passado e propõe como paradigma sociocultural do presente, decide que
todos os testemunhos atribuídos são autênticos e guardam por isso um poder
estético, religioso ou mágico insubstituível. As refutações da autenticidade
sofridas por tantos fetiches históricos nos obrigam a ser menos ingênuos. 2 –
esquece que toda cultura é resultado de uma seleção e de uma combinação, sempre
renovada de duas fontes. Ou seja, é produto de uma encenação, na qual se
escolhe e se adapta o que vai ser representado, de acordo com o que os
receptores podem escutar ver e compreender. As representações culturais, desde
os relatos populares até os museus, nunca apresentam os fatos, nem cotidianos
nem transcendentais, são sempre reapresentações, teatro, simulacro. Só a fé
cega fetichiza os objetos e as imagens acreditando que neles está depositada a
verdade.
- De acordo com
Canclini, um testemunho ou um objeto, podem ser mais verossímeis e, portanto
significativos, para aqueles que se relacionam com ele questionando qual o seu
sentido atual. Esse sentido pode circular e ser captado através de uma
reprodução cuidada, com explicações que situem a peça em seu contorno
sociocultural, com uma museografia mais interessada em reconstruir seu
significado que em promove-la como espetáculo ou fetiche . Ao contrário, um
objeto original pode ocultar o sentido que teve porque está descontextualizado,
teve cortado o seu vínculo com a dança ou com a comida na qual era usado e
foi-lhe atribuída uma autonomia, inexistente aos seus primeiros detentores.
- Para elaborar o
sentido histórico e cultural de uma sociedade, é importante estabelecer, se
possível, o sentido original que os bens culturais tiveram e diferenciar os
originais das imitações.
- A politica cultural e
da pesquisa relacionada ao patrimônio, não tem porque reduzir sua tarefa ao
resgate dos objetos autênticos de uma sociedade. Parece que deve importar-nos
mais os processos do que os objetos e não sua capacidade de permanecer “puros”,
iguais a si mesmos, mas por sua representatividade sociocultural. Nessa
perspectiva, a investigação, a restauração e a difusão do patrimônio não teriam
por finalidade central almejar a autenticidade ou restabelecê-la, mas
reconstruir a verossimilhança histórica e estabelecer bases comuns para uma
elaboração de acordo com as necessidades do presente.
- De acordo com
Canclini, assim como o conhecimento cientifico não pode refletir a vida,
tampouco a restauração, nem a museografia, nem a difusão mais contextualizada e
didática conseguirão abolir a distância entre realidade e representação. Toda
operação cientifica ou pedagógica sobre patrimônio é uma metalinguagem, não faz
com que as coisas falem, mas fala delas e sobre elas.
- o museu e qualquer
politica patrimonial tratam os objetos, os edifícios e os costumes de tal modo
que , mais que exibi-los , tornam inteligíveis as relações entre eles, propõe
hipóteses sobre o que significam para nós, que hoje os vemos ou evocamos. Um
patrimônio reformulado levando em conta seus usos sociais, não a partir de uma
atitude defensiva, de simples resgate, mas com uma visão mais complexa de como
a sociedade se apropria da história, pode envolver diversos setores.
- Não tem porque
reduzir-se a um assunto de especialistas no passado, interessa aos funcionários
e profissionais ocupados em construir o presente, aos indígenas, camponeses,
migrantes e a todos os setores cuja identidade costuma ser afetada pelos usos
modernos da cultura.
- À medida que o estudo
e a promoção do patrimônio assumam os conflitos que o acompanham, podem
contribuir para consolidar a nação, já não como algo abstrato, mas como o que
une e torna coesos em um projeto histórico solidário – os grupos sociais
preocupados com a forma como habitam seu espaço.
- Canclini finaliza afirmando que não pode
haver porvir para o nosso passado enquanto oscilamos entre os
fundamentalismos que regem frente a
modernidade conquistada e os modernismos abstratos que resistem a problematizar
nossa “deficiente” capacidade de sermos modernos. A contribuição pós moderna é
útil para escapar desse impasse, na medida em que revela o caráter construído e
teatralizado de toda tradição, inclusive a da modernidade: refuta a origem das
tradições e a originalidade das inovações. Ao mesmo tempo oferece ocasião de
repensar o moderno como um projeto relativo, duvidoso, não antagônico às
tradições nem destinado a superá-las por alguma lei evolucionista
inverificável. Servem suma para nos incumbirmos ao mesmo tempo do itinerário
impuro das tradições e da realização desarticulada, heterodoxa, de nossa
modernidade.
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