(Resenha) Algumas
reflexões e considerações sobre a ¨cultura¨ do estupro.
Por Ricardo Oliveira [1]
Antes
de iniciarmos nossas reflexões efetivamente, gostaria de expressar minha
indignação e revolta, independentemente dos desdobramentos e resultados que eventualmente
possam ocorrer do caso aqui no Rio de janeiro. E, sobretudo minha solidariedade
a M*(pseudônimo) e familiares.
Falar
de cultura por si só, já sucinta potencialmente uma série de elementos e
nuances que são demandados por essa categoria de estudo.
Por
definição, cultura é tudo o que aprendemos e compartilhamos com nossos
semelhantes. Mas é importante destacar que ela é relativa, ou seja, não existe
cultura boa ou ruim apenas diferente. E, através dela que conseguimos
sobreviver, pois aprendemos técnicas de sobrevivência exemplo: No filme naufrago,
o ator Tom Hanks sobrevive graças a sua bagagem cultural.
Cabe
ainda lembrar que NÃO existe ser humano destituído de cultura, exceto recém-nascidos
que ainda não participam de forma efetiva do convívio social e não
desenvolveram a linguagem que é parte importante da construção da identidade/identificação
cultural e social do indivíduo.
Até
aqui caminhamos no nosso propósito de explicitar o que é cultura, mas nos cabe
aqui acentuar a discussão da associação das categorias em questão
cultura-estupro. Eis que aqui aparece o
nosso ponto de inflexão, o nó górdio da questão.
Por
entendermos que tudo que aprendemos faz parte de nossa cultura, não quer dizer
que devemos reproduzir tudo pois que, se existem culturas diferentes e não boas
ou ruins assim sendo, dentro de nossa cultura existem também comportamentos e
ações que não são ou não deveriam ser reproduzidos embora saibamos de sua
existência.
Obviamente
estamos operando com uma espécie de juízo de valor[2], o
que de alguma forma ou em certa medida é inevitável, pois que existe um
elemento ao qual denominamos traços
culturais e este denota como descrito anteriormente, elementos que compõem
a nossa cultura, mas que não necessariamente devemos reproduzi-lo socialmente.
Para
que nos façamos entendermos melhor, é válido lembrar que nós seres humanos
somos constituídos de uma série de subjetividades ao longo da vida, e que de
alguma forma pavimentam nossa forma de ser, pensar e agir diante de um contexto
social.
Dito isso, imaginemos uma situação
hipotética: um indivíduo X qualquer, em uma praça pública, pedinte. Cabe aqui
uma reflexão; Porque ao invés de pedir esse indivíduo não parte para a vida do
crime para suprir suas necessidades materiais? Roubar efetivamente os eventuais
transeuntes que por ali circulam? Como explicitei em outra oportunidade num
contexto psicanalítico, através da educação é possível conter as pulsões,[3] ou
seja, nossos desejos a fim de preservarmos sobretudo nossa integridade. E
ainda, sobre o exemplo em questão devemos considerar a possibilidade de que
esse indivíduo possua uma formação, instrução e/ou escolarização propriamente
dita, enfim cultura que o impede de cometer delitos, norteados por seu juízo de
valor. Lembrando que não existe ser humano destituído de cultura, que
resumidamente pode ser definido da seguinte forma: saber, saber ser e saber
fazer.
Após
todos esses argumentos, a questão torna-se filosófica inevitavelmente, ao passo
que, o poderíamos definir como saber ser? Mas antes de respondermos a esta
questão, definamos o que é estupro para efeito de nossas reflexões e para que
possamos entender melhor essa correlação eu diria feita de forma equivocada,
incompleta até erroneamente.
Por
definição, estupro é a violação do corpo de outra pessoa, criança ou
adolescente no intuito de obter gratificação sexual baseado numa relação de
poder descrito da seguinte forma pela Abrapia[4]:
¨O abuso sexual
é a situação em que uma criança ou adolescente é usado para gratificação sexual
de um adulto ou adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder. Inclui
manipulação da genitália, amam ou ânus,exploração sexual, voyeurismo,
pornografia e exibicionismo e o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem
violência.¨ (Egypto,2005,pg.78)
Dessa
maneira em que, se tratando de uma relação de poder, podemos presumir que
existe um certo nível de ¨consciência¨ e juízo de valor associados à prática em
questão, visto que o executor do ato possuiu discernimento por assim dizer.
Nesse sentido, atribuir ao contexto a cultura
como elemento norteador dessa prática torna-se incompatível, pois que como
descrito em linhas anteriores, a construção social do indivíduo, habilidades e suas
subjetividades adquiridas através da cultura, posta em prática é muito
particular (o saber ser), ou seja, relativa como o conjunto de toda e qualquer conjectura
que é norteada pela cultura.
Resumidamente
temos um paradoxo a refletir: A soma das partes que compõem o todo, ou o todo é
composto pelas partes? Porque se julgarmos o comportamento em particular de alguns
indivíduos e tomá-los como referência para justificar as ações da maioria ficaremos
num beco sem saída para nossas argumentações.
Dessa
forma o saber ser está associado a
cultura e ao juízo de valor do indivíduo
e, em relação a ela, o que significa dizer que não deveríamos atribuir ao
comportamento de alguns parâmetro por definição como categoria de analise para
exemplificar o contexto de um ato/prática repreensivo(a) pelo que a maioria da
sociedade entende como regra/padrão sociocultural.
Logicamente
no tocante ainda sobre a questão da cultura, a especificidade do Brasil nos
remete a contextualizar alguns itens que nos fornecem elementos que dificultam-nos
na identidade/identificação com certos elementos de nossa cultura que se
seguem: dimensão geográfica, regionalismos culturais, formação étnica com
contribuição de pelo menos três grandes etnias: o negro africano, o europeu e o
asiático.
Assim
sendo, ao definirmos que estupro faz parte de nossa cultura é como se
disséssemos: Sendo o Brasil o de país do futebol, todos são potencialmente
jogadores e os homens estupradores o que não é verdade.
Obviamente
nosso país ainda carrega em si o estigma cultural de ser composto por uma
sociedade patriarcal e machista, o que não deixa de ser verdade, mas que
devemos a todo o custo execrar de nossa memória e, sobretudo das práticas do contexto
de nossas vidas.
Em
resumo nada justifica um ato falho ou desvio de conduta, não aceito pela
maioria da sociedade, visto que em tempos de ampla informação e divulgação de
modelos e exemplos de comportamento a ser seguidos, nós temos a obrigatoriedade
de nos construímos a cada dia como indivíduos melhores pensando sempre na coletividade, ou
seja no todo.
[1] Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de
Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação
Superior/UFRRJ.
[2] Juízo de valor é um julgamento feito a partir de
percepções individuais,
tendo como base fatores culturais, sentimentais, ideologias e pré-conceitos
pessoais, normalmente relacionados aos valores
morais.
[3] Ler meu texto no blog: Algumas considerações sobre educação, ciência e capitalismo: O que pode a psicanálise?
[4] Associação
Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e Adolescência.