terça-feira, 31 de maio de 2016

(Resenha) Algumas reflexões e considerações sobre a ¨cultura¨ do estupro.



(Resenha) Algumas reflexões e considerações sobre a ¨cultura¨ do estupro.


Por Ricardo Oliveira [1]


Antes de iniciarmos nossas reflexões efetivamente, gostaria de expressar minha indignação e revolta, independentemente dos desdobramentos e resultados que eventualmente possam ocorrer do caso aqui no Rio de janeiro. E, sobretudo minha solidariedade a M*(pseudônimo) e familiares.
Falar de cultura por si só, já sucinta potencialmente uma série de elementos e nuances que são demandados por essa categoria de estudo.
Por definição, cultura é tudo o que aprendemos e compartilhamos com nossos semelhantes. Mas é importante destacar que ela é relativa, ou seja, não existe cultura boa ou ruim apenas diferente. E, através dela que conseguimos sobreviver, pois aprendemos técnicas de sobrevivência exemplo: No filme naufrago, o ator Tom Hanks sobrevive graças a sua bagagem cultural.
Cabe ainda lembrar que NÃO existe ser humano destituído de cultura, exceto recém-nascidos que ainda não participam de forma efetiva do convívio social e não desenvolveram a linguagem que é parte importante da construção da identidade/identificação cultural e social do indivíduo.
Até aqui caminhamos no nosso propósito de explicitar o que é cultura, mas nos cabe aqui acentuar a discussão da associação das categorias em questão cultura-estupro.  Eis que aqui aparece o nosso ponto de inflexão, o nó górdio da questão.
Por entendermos que tudo que aprendemos faz parte de nossa cultura, não quer dizer que devemos reproduzir tudo pois que, se existem culturas diferentes e não boas ou ruins assim sendo, dentro de nossa cultura existem também comportamentos e ações que não são ou não deveriam ser reproduzidos embora saibamos de sua existência.
Obviamente estamos operando com uma espécie de juízo de valor[2], o que de alguma forma ou em certa medida é inevitável, pois que existe um elemento ao qual denominamos traços culturais e este denota como descrito anteriormente, elementos que compõem a nossa cultura, mas que não necessariamente devemos reproduzi-lo socialmente.
Para que nos façamos entendermos melhor, é válido lembrar que nós seres humanos somos constituídos de uma série de subjetividades ao longo da vida, e que de alguma forma pavimentam nossa forma de ser, pensar e agir diante de um contexto social.
            Dito isso, imaginemos uma situação hipotética: um indivíduo X qualquer, em uma praça pública, pedinte. Cabe aqui uma reflexão; Porque ao invés de pedir esse indivíduo não parte para a vida do crime para suprir suas necessidades materiais? Roubar efetivamente os eventuais transeuntes que por ali circulam? Como explicitei em outra oportunidade num contexto psicanalítico, através da educação é possível conter as pulsões,[3] ou seja, nossos desejos a fim de preservarmos sobretudo nossa integridade. E ainda, sobre o exemplo em questão devemos considerar a possibilidade de que esse indivíduo possua uma formação, instrução e/ou escolarização propriamente dita, enfim cultura que o impede de cometer delitos, norteados por seu juízo de valor. Lembrando que não existe ser humano destituído de cultura, que resumidamente pode ser definido da seguinte forma: saber, saber ser e saber fazer.
Após todos esses argumentos, a questão torna-se filosófica inevitavelmente, ao passo que, o poderíamos definir como saber ser? Mas antes de respondermos a esta questão, definamos o que é estupro para efeito de nossas reflexões e para que possamos entender melhor essa correlação eu diria feita de forma equivocada, incompleta até erroneamente.
Por definição, estupro é a violação do corpo de outra pessoa, criança ou adolescente no intuito de obter gratificação sexual baseado numa relação de poder descrito da seguinte forma pela Abrapia[4]:

¨O abuso sexual é a situação em que uma criança ou adolescente é usado para gratificação sexual de um adulto ou adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder. Inclui manipulação da genitália, amam ou ânus,exploração sexual, voyeurismo, pornografia e exibicionismo e o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência.¨ (Egypto,2005,pg.78)

Dessa maneira em que, se tratando de uma relação de poder, podemos presumir que existe um certo nível de ¨consciência¨ e juízo de valor associados à prática em questão, visto que o executor do ato possuiu discernimento por assim dizer.
 Nesse sentido, atribuir ao contexto a cultura como elemento norteador dessa prática torna-se incompatível, pois que como descrito em linhas anteriores, a construção social do indivíduo, habilidades e suas subjetividades adquiridas através da cultura, posta em prática é muito particular (o saber ser), ou seja, relativa como o conjunto de toda e qualquer conjectura que é norteada pela cultura.
Resumidamente temos um paradoxo a refletir: A soma das partes que compõem o todo, ou o todo é composto pelas partes? Porque se julgarmos o comportamento em particular de alguns indivíduos e tomá-los como referência para justificar as ações da maioria ficaremos num beco sem saída para nossas argumentações.
Dessa forma o saber ser está associado a cultura  e ao juízo de valor do indivíduo e, em relação a ela, o que significa dizer que não deveríamos atribuir ao comportamento de alguns parâmetro por definição como categoria de analise para exemplificar o contexto de um ato/prática repreensivo(a) pelo que a maioria da sociedade entende como regra/padrão sociocultural.
Logicamente no tocante ainda sobre a questão da cultura, a especificidade do Brasil nos remete a contextualizar alguns itens que nos fornecem elementos que dificultam-nos na identidade/identificação com certos elementos de nossa cultura que se seguem: dimensão geográfica, regionalismos culturais, formação étnica com contribuição de pelo menos três grandes etnias: o negro africano, o europeu e o asiático.
Assim sendo, ao definirmos que estupro faz parte de nossa cultura é como se disséssemos: Sendo o Brasil o de país do futebol, todos são potencialmente jogadores e os homens estupradores o que não é verdade.
Obviamente nosso país ainda carrega em si o estigma cultural de ser composto por uma sociedade patriarcal e machista, o que não deixa de ser verdade, mas que devemos a todo o custo execrar de nossa memória e, sobretudo das práticas do contexto de nossas vidas.
Em resumo nada justifica um ato falho ou desvio de conduta, não aceito pela maioria da sociedade, visto que em tempos de ampla informação e divulgação de modelos e exemplos de comportamento a ser seguidos, nós temos a obrigatoriedade de nos construímos a cada dia como indivíduos  melhores pensando sempre na coletividade, ou seja no todo.








[1] Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.
[2] Juízo de valor é um julgamento feito a partir de percepções individuais, tendo como base fatores culturais, sentimentais, ideologias e pré-conceitos pessoais, normalmente relacionados aos valores morais.
[4] Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e Adolescência.

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