Ponderar a memória ou memórias é imprescindível,
a meu ver, e Pierre Nora é um dos grandes teóricos que refletiram acerca do
tema, no artigo “Entre memória e história – a problemática dos lugares” de
1993, Nora não poderia prever o século XXI, entretanto, acredito, que quando o
historiador francês nos elucida sobre “aceleração da história”, esta expressão,
não poderia ser mais condizente com o contexto atual, segundo ele significa
“uma
oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção
global de qualquer coisa como desaparecida – uma ruptura de equilíbrio. O
arrancar do que ainda sobrou de vivido no calor da tradição, no mutismo do
costume, na repetição do ancestral sob o impulso de um sentimento histórico
profundo. A ascensão à consciência de si mesmo sob o signo do determinado, o
fim de alguma coisa desde sempre começada. Fala-se de memória porque ela não
existe mais.”
Pierre Nora afirma que a curiosidade
pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este
momento particular da nossa história, a “aceleração”, para Nora o momento de
articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o
sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda
memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. O
sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória
porque não há mais meios de memória.
Nora sinaliza o fim das sociedades
memória. Como todas aquelas que asseguravam a conservação e a transmissão dos
valores, igreja ou escola, família ou Estado, o fim das ideologias memória,
como todas aquelas que asseguravam a passagem regular do passado para o futuro
ou indicavam o que deveria reter do passado para preparar o futuro: que se
trate da reação, do processo ou mesmo da revolução, ainda mais: é o modo mesmo
da percepção histórica que com a ajuda da mídia, dilatou-se prodigiosamente,
substituindo uma memória voltada para a herança de sua própria intimidade pela
película efêmera da atualidade.
Após todos os esclarecimentos dados
acerca da expressão “aceleração da história”, Pierre Nora nos indica que o
fenômeno acaba de nos revelar é toda a distancia entre a memória verdadeira,
social, intocada, aquela cujas sociedades ditas primitivas ou arcaicas,
representaram o modelo e guardaram consigo o segredo e a história, que é o que
nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado porque levadas
pela mudança.
Assim continua Nora, ao falar sobre os
perigos dessa memória
“entre (grifo meu) uma memória
integrada, ditatorial e inconsciente de si mesma, organizadora e toda poderosa
e inconsciente de si mesma, organizadora e toda-poderosa, espontaneamente
atualizadora, uma memória sem passado, que reconduz eternamente a herança,
conduzindo o antigamente dos ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis das
origens e do mito e a nossa (grifo
meu) que só história, vestígio, trilha. Distância que só se aprofundou na
medida em que os homens foram reconhecendo
(grifo meu) como seu um poder e mesmo um dever de mudança, sobretudo a
partir dos tempos modernos. Distância que chega hoje num ponto convulsivo.
Pierre Nora nos explica que esse
arrancar da memória sob o impulso conquistador e erradicador da história tem
como que um efeito de reveleção: a ruptura de um elo de identidade muito
antigo, no fim daquilo que vivíamos como uma evidência: a adequação da história
e da memória.
Para o admirável historiador francês, o
movimento que nos transporta é da mesma natureza que aquele que o representa
para nós. E afirma que se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos
necessidade de lhe consagrar lugares. Não haveria lugares porque não haveria
memória transportada pela história. Cada gesto, até o mais cotidiano seria
vivido como uma repetição religiosa daquilo que sempre se fez numa identificação
canal do ato e do sentido.
Nora afirma que desde que haja rastro,
distancia, mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro
da história.
“(...)
memória, história : longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe
uma à outra. A memória é a vida sempre carregada por grupos vivos e, nesse
sentido ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos
os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas
revitalizações”
De acordo com Nora, a história é a
reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais e a
memória é um fenômeno sempre atual um elo vivido no eterno presente. Segundo o
autor, a história é uma representação do passado, a memória, porque é afetiva e
mágica, não se acomoda a detalhes que a confortam, ela se alimenta de
lembranças vagas (...) globais, flutuantes, particulares (...), sensível a
todas as transferências (...). A história, porque operação intelectual e
laicizante demanda análise e discurso crítico.
Segundo o autor, a memória aloja a
lembrança no sagrado, a história liberta e a torna sempre prosaica. A memória
emerge de um grupo que ela une, neste momento o autor cita Halbwachs, que
afirmou que há tantas memórias quantos
grupos existem, que ela é por natureza múltipla e desacelerada, coletiva,
plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a
ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no
concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às
continuidades temporais, as evoluções e as relações das coisas, a memória é um
absoluto e a história só conhece o relativo, a memória é sempre suspeita para a
história, cuja verdadeira missão é destruí-la.
(...) o
movimento da história, a ambição histórica não são exaltação do que
verdadeiramente aconteceu, mas sua anulação. (...) uma sociedade que vivesse integralmente
sob o signo da história não conheceria (...) mais do que uma sociedade
tradicional lugares onde ancorar a memória. Um dos sinais mais tangíveis desse
arrancar da história da memória é (...) o início de uma história da história.
Toda tradição histórica desenvolveu-se com o exercício regulado da memória e
seu aprofundamento espontâneo, a reconstituição de um passado sem lacuna e sem
falha.
Nora afirmou que num país que não daria
à história um papel diretor e formador da consciência nacional, a história da
história não se encarregaria desse conteúdo polêmico. História, memória nação,
mantiveram mais do que uma circulação natural: uma circularidade complementar,
uma simbiose em todos os níveis. A nação não é mais o quadro unitário que
encerrava a consciência da coletividade ela só está ameaçada pela ausência de
ameaças.
Com a emergência da sociedade no lugar e
espaço da nação, Nora destaca que a legitimação pelo passado, portanto pela
história, cedeu lugar à legitimação do futuro. A não é mais um combate, mas um
dado; a história tornou-se uma ciência social, e a memória um fenômeno puramente
privado a nação-memória terá sido a ultima encarnação da história-memória.
Segundo Pierre Nora, o tempo dos lugares
é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na
intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história
reconstituída, aprofundamento decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência
de uma herança consolidada por outras. Os dois movimentos se combinam para nos
remeter de uma só vez aos instrumentos de base do trabalho histórico e aos
objetos mais simbólicos de nossa memória: os arquivos, as bibliotecas, os
museus, as comemorações. Para o autor, os lugares de memória são, antes de
tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa
história que a chama, porque ela a ignora.
Nora afirma que aquilo que oculta, estabelece,
constrói, decreta, mantém pelo artifício e pela vontade uma coletividade fundamentalmente
envolvida em sua transformação e sua renovação valorizando por natureza, mais o
novo do que o antigo mais o futuro do que o passado. Museus, arquivos, cemitérios
e coleções, monumentos, santuários, são os marcos testemunhais de uma outra era
das ilusões de eternidade. São os rituais de uma sociedade sem ritual;
sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza, fidelidades
particulares de uma sociedade que lavra os particularismos.
Em relação aos lugares, Pierre Nora
ressalta que os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações; segundo o autor é por isso a defesa, pelas
minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados, nada mais faz do
que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância
comemorativa a história depressa os varreria. Mas, se o que eles defendem não
estivesse ameaçado, não se teria tampouco, a necessidade de construí-los e se a
história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, eles não se
tornariam lugares de memória, momentos da história arrancados do movimento da
história, mas que lhe são devolvidos, não mais inteiramente a vida, nem a morte.
De acordo com o autor, a própria perda
de nossa memória nacional viva nos impõe sobre ela um olhar que não é mais ingênuo,
nem indiferente. Memória que nos pressiona e que já não é mais nossa, entre a
dessacralização rápida e a sacralização provisoriamente reconduzida. Apego, que
segundo ele, nos mantém ainda devedores daquilo que nos engendrou, mas
distanciamento histórico que nos obriga. Para Nora a liquidação da memória foi
soldada por uma vontade geral de registro. A passagem da memória para a
história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade pela revitalização de
sua própria história. O dever de memória faz de cada um o historiador de si
mesmo.
Neste momento, Nora faz uma importante
afirmação, de acordo com o autor o imperativo da história ultrapassou o círculo
dos historiadores profissionais, todos os corpos constituídos, intelectuais ou
não, sábios ou não, apesar das etnias e das minoras sociais, sentem a
necessidade de ir à busca de sua própria constituição, de encontrar suas
origens. O fim da história – memória multiplicou as memórias particulares que
reclamam sua própria história. O preço da metamorfose histórica da memória foi
a conversão definitiva à psicologia individual.
Nora assevera que a violação do que foi,
para nós, a própria imagem da memória encarnada e a brusca emergência da
memória no coração das identidades individuais são como as duas faces da mesma
cisão, o começo do processo que explode hoje. Inaugura-se um novo regime de memória,
questão daqui por diante privada. Para o autor a psicologização integral da memória contemporânea
levou a uma economia singularmente nova da identidade do eu, dos mecanismos da
memória e da relação com o passado. Porque a coerção da memória pesa sobre o indivíduo
e somente sobre o indivíduo, com sua revitalização possível repousa sobre sua
relação pessoal com seu próprio passado.
Segundo o historiador francês, a atomização
de uma memória geral em memória privada dá a lei da lembrança um intenso poder
de coerção interior, ela obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento,
princípio e segredo da identidade. Para ele, quando a memória não está mais em
todo lugar, ela não estaria em lugar nenhum se uma consciência individual, numa
decisão solitária, não decidisse dela se encarregar. Menos a memória é vivida
coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares que fazem de si
mesmos homens-memória.
Para Pierre Nora, a psicologização da
memória deu a cada um o sentimento de que sua salvação dependeria do quitar de
uma dívida impossível. A memória – arquivo, memória – dever, e segundo o autor é
preciso um terceiro traço para completar esse quadro de metamorfoses: memória -
distância. Porque, para ele, nossa relação com o passado, ao menos do modo como
ela se revela através das produções históricas as mais significativas, é
completamente diferente daquela que se espera de uma memória, não mais uma
continuidade retrospectiva, mas o colocar a descontinuidade à luz do dia.
O historiador francês prossegue
asseverando que para a história – memória de antigamente, a verdadeira
percepção do passado consistia em considerar que ele não era verdadeiramente
passado. Um esforço de lembrança poderia ressuscitá-lo ao presente tornando-se,
ele próprio a sua maneira, um passado reconduzido, atualizado, conjurado
enquanto presente por essa ancoragem e conclui afirmando que sem dúvida para
que haja um sentimento do passado, é necessário que ocorra uma brecha entre
presente e o passado.
Segundo o teórico, seriam os dois
grandes temas da inteligibilidade da história, ao menos a partir da narrativa mitológica,
mas que contribuía para dar a uma sociedade em vias de laicização nacional seu
sentido e sua necessidade do sagrado. Mais as origens eram grandes e de acordo
com Nora elas nos engrandeciam, porque venerávamos à nós mesmos através do
passado. E esta relação que se quebrou. Da mesma forma que o futuro visível,
previsível, manipulável, projeção do presente, tornou-se invisível,
imprevisível, incontrolável, chegamos simetricamente, da ideia de um passado
visível a um passado invisível, de um passado coeso a um que vivemos como rompimento,
de uma história que era procurada na continuidade de uma memória a uma memória
que se projeta na descontinuidade de uma história.
Não se falaria mais em origens, mas em
nascimentos segundo o autor. Para Nora o passado nos é dado como radicalmente
outro, ele é esse mundo do qual estamos desligados para sempre. Paradoxalmente,
a distância exige a reaproximação que a conjuntura e lhe dá ao mesmo tempo sua
vibração. A perda de um principio único, explicativo, precipitou-nos, de acordo
com Nora num universo fragmentado, ao mesmo tempo em que promoveu todo objeto,
seja o mais humilde, o mais improvável, inacessível, à dignidade do mistério
histórico.
Pierre Nora segue afiançando que se ninguém
sabe de que o passado é feito, uma inquieta incerteza transforma tudo em
vestígio, indício possível, suspeita de história com a qual contaminamos a inocência
das coisas. Afirma Nora que a nossa percepção do passado é a apropriação
veemente daquilo que sabemos não mais nos pertencer. Ela exige a acomodação
precisa sobre um objeto perdido. A representação exclui o afresco, o fragmento,
ela procede através de iluminação pontual, multiplicação de tomadas seletivas,
amostras significativas, memória intensamente retiniana e poderosamente televisual.
A Memória – espelho, segundo Nora, dir-se-ia
se os espelhos não refletissem a própria imagem, quando ao contrário, é a
diferença que procuramos aí descobrir, e no espetáculo dessa diferença o
brilhar repentino de uma identidade impossível de ser encontrada não mais uma gênese,
mas o deciframento do que somos à luz do que não somos mais.
Neste momento, Pierre Nora afiança que a
explosão da história – memória emerge um novo personagem, pronto confessor,
diferentemente de seus predecessores, a ligação estreita, íntima e pessoal que
ele mantém com eu sujeito a aprofundá-lo e a fazer não o obstáculo, mas a alavanca
de sua compreensão. E conclui afirmando que porque esse sujeito deve tudo a sua
subjetividade, sua criação, sua recriação é ele o instrumento do metabolismo
que dá sentido e vida a quem em si e sem ele não teria nem sentido nem vida.
Para o autor, nossa sociedade, certamente arrancada de sua memória pela
amplitude de suas mudanças, mas ainda mais obcecada por se compreender
historicamente, está condenada a fazer do historiador um personagem cada vez
mais central, porque nele se opera aquilo de que ela gostaria, mas não pode
dispensar, o historiador é aquele que impede a história de ser somente
história.
Segundo Nora, a mudança do modo de
percepção reconduz obstinadamente o historiador aos objetos tradicionais dos
quais ele se havia desviado, os usuais de nossa memória nacional. São os
lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e
funcional, simultaneamente somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência
puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a
imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional,
como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes,
só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio,
que parece o exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mesmo tempo o
recorte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, para uma
chamada concentrada da lembrança.
Os três aspectos coexistem sempre, de
acordo com o teórico francês. É material por seu conteúdo demográfico; é
funcional por hipótese, pois garante ao mesmo tempo a cristalização da
lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição,visto que caracteriza
por acontecimentos ou uma experiência vividos por um pequeno número uma maioria
que deles participou. O que os constitui é um jogo da memória e da história,
uma interação dos dois fatores que leva a sua sobredeterminação recíproca. É preciso
ter vontade de memória.
Um pouco
como as boas regras da crítica histórica de antigamente que distinguiam
sabiamente as “fontes diretas” (...) aquela que uma sociedade voluntariamente produziu
pra serem reproduzidas como tal – uma lei, uma obra de arte (...) e a massa
indefinida de “fontes indiretas” (...) todos os testemunhos deixados por uma
época sem dúvidas de sua utilização futura pelos historiadores. Na falta dessa
intenção de memória, os lugares de memória serão lugares de história.
De acordo com Nora, se a história, o
tempo, a mudança, não interviessem, seria necessário se contentar com um
simples histórico dos memoriais – lugares, portanto, mas lugares mistos, híbridos
e mutantes, porque se é verdade que a
razão fundamental de ser um lugar de memória é parar o tempo, bloquear o
trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte,
materializar o imaterial , prender o máximo de sentido num mínimo de sinais, é
claro e é isso que os torna apaixonantes : que os lugares de memória só vivem
de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados
e no silvado imprevisível de suas ramificações.
(...)
todos os lugares de memória são objetos no abismo. Esse mesmo princípio de
duplo pertencimento que permite operar na multiplicidade dos lugares, uma
hierarquia, uma delimitação de seu campo, um repertório de suas escalas. Se
vemos efetivamente as grandes categorias de objetos que sobressaem do gênero,
tudo o que vem do culto dos mortos, tudo o que sobressaí do patrimônio, tudo o
que administra a presença do passado no presente – está portanto claro que
alguns, que não entram na estrita definição, podem isso pretender e que
inversamente, muitos (...) devem de fato ser excluídos.
Nora segue asseverando que toda constituição,
todo tratado diplomático são lugares de memória. E é a memória que dita e a
história que escreve. É por isso, segundo ele, que dois domínios merecem que
nos detenhamos: os acontecimentos e os livros de história, porque não sendo
mistos de memória e história, mas os instrumentos por excelência da memória em
história permitem delimitar nitidamente o domínio. Entre os livros de história
são unicamente os lugares de memória daqueles que se fundam num remanejamento
efetivo da memória ou que constituem os breviários pedagógicos.
Esclarecendo-nos ao concluir seu artigo,
Nora afirma que somente dois tipos dentre os grandes acontecimentos são
relevantes, que não dependem em nada de seu tamanho. De um lado os
acontecimentos, por vezes ínfimos, apenas notados no momento, mas aos quais, em
contraste, o futuro retrospectivamente conferiu grandiosidade das origens, a
solenidade das rupturas inaugurais. De outro lado, os acontecimentos onde, no
limite, nada acontece, mas que são imediatamente carregados de um sentido
simbólico e que são eles próprios, no instante de seu desenvolvimento, sua
própria comemoração antecipada.
A memória pendura-se em lugares, afirmou
Pierre Nora, como a história em acontecimentos. Se insistimos sobre o aspecto
material dos lugares, eles próprios se dispõem num vasto degrade. Veja-se
primeiro, os portáteis, não os menos importantes, visto que o povo da memória
dá um exemplo maior com as tábuas da lei: veja-se o topográfico, que devem tudo
a sua localização exata e a seu enraizamento ao solo: vejam-se os lugares
monumentais que não saberíamos confundir com os lugares arquiteturais. Os primeiros,
estátuas ou monumentos aos mortos, conservam seu significado em sua existência intrínseca,
mesmo se sua localização está longe de ser indiferente, outra encontraria sua
justificação sem alterar a deles. Segundo o autor o mundo não acontece com os
conjuntos construídos pelo tempo, e que tiram sua significação das relações
complexas entre seus elementos: espelhos do mundo ou de uma época, como a
catedral.
Aqui Nora faz outra importante distinção
os lugares dominantes e os lugares dominados. Os primeiros, segundo ele,
espetaculares e triunfantes, imponentes e geralmente impostos, quer por uma
autoridade nacional, quer por um corpo constituído, mas sempre de cima, tem,
muitas vezes a frieza ou a solenidade
das cerimônias oficiais, mas nos deixamos levar do que vamos a eles. Os segundos
são os lugares de refúgio, o santuário das fidelidades espontâneas e das
peregrinações do silencio. É o coração vivo da memória.
Nora concluí afirmando que os lugares
são nosso momento de história nacional, uma característica decisiva os coloca radicalmente a parte de
todos os tipos de história, antigos e novos, aos quais estamos habituados. De
acordo com Nora, todas as aproximações históricas e científicas da memória,
sejam elas dirigidas a da nação ou a das mentalidades sociais, tinham a ver com
as próprias coisas cuja realidade em sua maior vivacidade elas se esforçavam
para apreender. Diferentemente de todos os objetos da história, os lugares de
memória não têm referentes na realidade, eles são seu próprio referente, sinais
que devolvem a si mesmos, sinais em estado puro, o que os faz lugares de
memória é aquilo pelo que, exatamente, eles escapam da história; espaço ou
tempo, espaço e tempo de um círculo no interior do qual tudo conta, tudo
simboliza, tudo significa. Nesse sentido o lugar de memória é um lugar duplo:
um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade, e
recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de suas
significações.