sábado, 24 de fevereiro de 2018

Sobre ESTADO LAICO


Ricardo Oliveira[1]

Para que possamos estabelecer uma compreensão mais elucidativa do fenômeno e da complexidade da relação ESTADO e religião, torna-se necessário esclarecer que, não só através de leis torna-se possível uma separação entre ambos, pois que no que concerne a atribuição do ESTADO, o principio da impessoalidade na teoria deveria prevalecer posto que o mesmo é regido por leis, mais as mesmas são feitas por homens e um fator preponderante a aplicação das mesmas e que, deve-se levar em consideração são as subjetividades de cada sujeito que as elabora  e a aplicam. Desta forma, a relação entre religião e ESTADO, o segundo deverá necessariamente ser hierarquicamente superior ao primeiro, pois que a representatividade do mesmo deverá atender as demandas sociais de maneira global, sem discriminação.
   Dito isto, é valido ainda destacar que as práticas religiosas em nosso território, quando desembarcaram por aqui em nossa terra brasilis, pressupunham não somente uma supremacia clerical, mas, sobretudo étnica, relembrando a Revolta dos Malês por exemplo, o que de alguma forma ou em certa medida, soterraram ou colocaram  em condições subalternas os demais credos, mesmo com o sincretismo e sectarismos velados nos dias atuais.
            Sobre a contemporaneidade no que diz respeito ao fenômeno religioso, podemos ainda refletir sobre um posicionamento um tanto quanto contraditório no campo filosófico de pensamento que tem sido demonstrado cotidianamente por nós reles mortais quando atribuímos a certos fenômenos naturais a intervenção de deuses ou divindades para justificarmos nossas falhas ou virtudes, ora, o empirismo e a cosmogonia são barreiras superadas faz algum tempo, vivemos na era da racionalidade, então porque ainda nos dias atuais sustentamos essas praticas?
 Este parece ser o nó górdio da questão o ser humano é o ser mais complexo que existe. Podemos compreender a sequencia de Fibonacci e a matemática, mas esta ciência aplica-se a quase tudo na natureza, menos ao ser humano.

            Desta forma relacionando a Fé e o fenômeno religioso(cosmogonia) e razão (cosmologia) representada aqui pelo papel do ESTADO respondendo a pergunta sugerida, é possível que retornemos ao Estado monárquico sim, pois que o homem ainda não reconhece em sua plenitude seu estado de natureza, com profundidade e, como diria Aristóteles: A essência do ser é a mudança... Complementando: ainda que esta seja uma incógnita.




[1]Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Educação especial: Desafios e superações

Ricardo Oliveira

Caro amigo(a) leitor(a), no universo multidisciplinar da formação humana, você já deve ter ouvido falar em aluno ¨especial¨ na escola.
         Pois bem! Hoje gostaria de expor como exemplo dentre tantos, que não são menos importantes, as características do aluno com TEA (transtorno do espectro autista).
 Em nosso dia-a-dia temos que interagir de forma diferenciada nos mais variados grupos sociais aos quais pertencemos e, dessa maneira, estabelecemos normas e regras a até um ¨padrão¨ interno do nosso comportamento.
         Com o aluno autista, não é muito diferente, pois se percebermos, cada um de nós carrega por assim dizer, traços de algum comportamento considerado distúrbio ainda que em menor escala de evidência.
         O aluno autista APRENDE! Que isso fique bem claro! A aprendizagem é característica inata do ser humano. Suas ¨limitações¨ se apresentam de maneira mais expressiva no campo da comunicação, da interação social e da imaginação.
         Dar luz a questões dessa natureza no âmbito escolar, é fundamental para que não só a escola seja inclusiva mas, a sociedade pois vivemos tempos em que os seres humanos considerados ¨normais¨ a meu ver, têm apresentado comportamentos mais que duvidosos em comparação com os demais.

         Sensibilidade e solidariedade essas são palavras de ordem para com os iguais, pois todos somos irmãos cada um com suas potencialidades e limitações e, é isso que nos torna seres especiais.

Educação e tecnologia: A sociedade do conhecimento; Novos desafios

[Ricardo Oliveira]

Com o advento do que podemos denominar de quarta revolução industrial, é fato que devemos estimular e usar como incremento no meio educacional, ferramentas tecnológicas a fim de facilitar o processo de aprendizagem.
         Vivemos tempos em que as informações circulam de maneira absurdamente veloz e nesse sentido, pensarmos a escola como espaço de produção e difusão do conhecimento, torna-se cada vez mais inevitável o uso de instrumentos que visem à melhoria da qualidade do ensino.
         Pensando na realidade do modelo educacional brasileiro, em suas estruturas, temos ainda certa ¨resistência¨ ao uso das mídias e da internet de maneira geral visto vários fatores que ainda impossibilitam o uso de forma adequada das mesmas, sobretudo nas redes públicas de ensino.
         Professores, pais e responsáveis e alunos, ou seja, a comunidade escolar, diante desse contexto, presumo que deveriam organizar-se pensando concretamente na realidade de cada unidade e criar meios interlocutórios a guisa de estabelecer minimamente alguns parâmetros para que educandos tenham acesso a novas formas de aquisição do conhecimento por meio da tecnologia.
         Figura-se ainda como padrão um modelo a meu ver, mais que ultrapassado e que, em linhas gerais, não mais satisfazem o ímpeto e desejo de aprender do educando.
         Um discurso recorrente e muito comum que ouço em relação ao uso das mídias visto com uma problemática a ser superada, seria a sua adequação com determinadas disciplinas na forma de aplica-la de maneira eficaz, sobretudo nas disciplinas ¨exatas¨ que tem reconhecidamente um apelo maior enquanto área do conhecimento pelo menos no Brasil e em algumas regiões.
        Por fim, é bom lembrarmos que, para alcançarmos um nível sociocultural de excelência ao qual almejamos enquanto sociedade devemos nos valer de seriedade e disciplina no que tange a importância com que lidamos nas relações com o desconhecido, ou seja, o novo.
                   

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Educação: Sobre o ensino religioso

Este texto deveria sair na próxima coluna mensal do www.jornalportal.com.br para o qual eu escrevo mas, foi vetado pela equipe editorial então aqui está:

     






 Educação: Sobre o ensino religioso                                        [Ricardo Oliveira]

         Caro(a) amigo(a) leitor(a), você certamente já deve ter se perguntado algum dia como podem existir tantas religiões no mundo e de alguma forma, ter ficado confuso com as explicações a respeito do assunto principalmente no que se refere à disciplina na escola.
         Tratando especificamente do caso do Brasil onde o tema é polêmico, devo advertir que não tenho a pretensão de afirmar que essa ou aquela religião é mais importante que a outra, todavia, esclarecer a relevância enquanto parte do processo na formação humana.
         Historicamente, somos uma sociedade que recebeu ao longo dos anos e até os dias atuais, contribuições culturais de vários outros povos/etnias para construção de nossa identidade; asiáticos, africanos, europeus e americanos, lógico uns em maior, e outros em menor escala, mas todos deram sua parcela de contribuição.
         Dessa maneira, pensarmos no fenômeno religioso como parte do processo de ensino e aprendizagem, nos faz ¨crer¨ na interação/ligação que o ser humano possui com o sagrado, o divino, o sobrenatural ou seja, tudo aquilo que transcende ao nosso corpo.
         Dito isso, é importante lembrar que a religião ou as religiões existentes no mundo fazem parte da cultura imaterial de um povo, ou seja, ela existe de forma abstrata e isso significa dizer que esta ¨aparece¨ de forma subjetiva no que concerne ao aspecto psicológico do indivíduo e torna-se explícita a partir do momento em que é materializada através de seus ritos e preceitos.
         Sendo assim, a problemática que gira em torno do ensino religioso em nosso país é que este não tem sido contemplado de forma igualitária entre as doutrinas ministradas no curso de formação escolar e, partindo da ideia de que vivemos num Estado laico, torna-se um agravo.
         Por fim, gostaria de destacar a importância da religiosidade enquanto fenômeno cultural, pois que, o ser humano, ao que me parece, possui um sentimento inato de acreditar em algo não importando a religião por ele confessada, mas pura e simplesmente pelo desejo de superar obstáculos em sua vida.


Twitter: @ricardo_ufrrj                       

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Que educação queremos?

Este texto na verdade não se trata de uma resenha mas sim de uma pequena reflexão sobre educação.


Que educação queremos?



    Em tempos de efervescências políticas, ideológicas e, sobretudo culturais, pensarmos a educação nos moldes em que está estruturada e sistematizada atualmente no Brasil, nos leva a refletir várias questões e uma em especial que se evidencia com as ocupações das escolas à vista de reivindicações das mais variadas dentre elas: a qualidade do ensino, que nos confere em grande parte ou em certa medida enquanto sociedade civil, analisarmos o que deu certo e o que não na educação dos brasileiros.
    Ora, temos que hoje através das mídias sociais as informações circulam de forma rápida e voraz de maneira que é quase impossível filtrarmos as informações e assimilá-las de forma concisa e coerente, muitas das vezes, nos causando um impacto desconcertante na forma de pensar e agir em determinadas situações.
    Sendo assim, temos que os educandos de hoje não são como os de vinte anos atrás, pois que, mesmo pensando naqueles considerados de classes populares, têm de maneira geral, acesso a informação ainda que fragmentada.
    Dito isso, se pensarmos que no escopo da ocupação das escolas está inserida uma política ideologicamente retrógrada em que se pensa a escola sem partido ora, todo ser humano é um ser social, não necessariamente político, mas possuiu em sua essência, o discernimento, o questionamento, a retórica ou seja, algo deve  ser trabalhado e potencializado uma vez que o individuo insere-se no universo escolar/acadêmico do processo sistematizado de ensino.
    Dos discursos que tenho ouvido sobre o assunto é notório que em grande parte, pais e responsáveis encaram a ocupações implicitamente como um problema ¨do outro¨ quando dizem:¨eu entendo as ocupações e reivindicações, mas meu filho não pode ficar sem estudar.

    Dessa maneira, fica claro o interesse particular em que não pensa no ¨conjunto da obra” ou seja, de forma sistêmica e estrutural da educação mas tão somente na sua necessidade imediata.  Sendo assim pensarmos a educação que queremos hoje, irá nos dizer num futuro próximo em que tipo de sociedade viveremos, e honestamente espero que seja mais solidária e menos excludente.

sábado, 19 de novembro de 2016

A prisão dos Excluídos: Origens e reflexões sobre a pena privativa de liberdade

(Resenha)


A prisão dos Excluídos: Origens e reflexões sobre a pena privativa de liberdade[1]
Por Ricardo Oliveira[2]


Bem, antes de iniciarmos nossas reflexões, gostaria de pedir desculpas pela ausência de três meses do blog visto as demandas profissionais não menos importantes que este espaço de produção do conhecimento.
            Sobre um tema que a meu ver, tem repercutido incessantemente em nossa sociedade gerando polêmicas, tentaremos construir uma temática elucidativa no que concerne a pena privativa de liberdade em nosso país, com vistas a refletirmos até que ponto o sistema carcerário brasileiro funciona adequadamente e atende efetivamente as demandas sociais.
            Trabalharemos especificamente apenas com o primeiro capítulo da obra que recebe o título proposto a fim de não nos estendermos muito, pois esse não é o nosso objetivo.
            Percebi que, ocorrido o último pleito na cidade do Rio de Janeiro, uma série de manifestações explícitas em torno da questão abordada girava em torno do jargão “bandido bom, é bandido morto!” Pois bem! Observando as mídias sociais, verifiquei a ampla difusão de um discurso de ódio, pavimentando o pensamento das pessoas de maneira ostensiva e arbitrária, desconsiderando opiniões contrárias plausíveis e até certo ponto fundamentadas.
            Existem uma série de questões, sobretudo alinhavadas ao nosso modo de produção capitalista que nos leva a considerar certos aspectos que não podem ou não devem ser ignorados quando o assunto é liberdade ou privação dela.
            Dessa maneira, me senti compelido a trazer luz a estas questões para ampliarmos o debate, mas de forma conceitual, sistemática e, sobretudo construtiva.
            Parece-me óbvio que ao sairmos de casa, no cotidiano da cidade em que vivemos, estamos suscetíveis a uma gama de possibilidades que podem ser causadoras de conflitos que podem gerar em nós uma súbita atitude considerada dentro do nosso sistema jurídico uma infração, ou seja, uma pena a ser paga perante a sociedade.
            Dito isso, consideraremos nossas atitudes baseadas também no acelerado processo de troca de informação, trabalho, família, lazer e outros. O sistema econômico em que vivemos, possui suas nuances pautadas nesse turbilhão de situações que nos é demandada, e com isso, tornamo-nos presas fáceis em potencial para agirmos de forma equivocada, sem levar em consideração as consequências.
            Sendo assim, analisaremos a correlação entre o tema proposto e o sistema econômico pois como dito anteriormente em linhas gerais, existe uma “violência” por assim dizer, que no nível do senso comum é quase imperceptível.
            Karl Marx, por diversas vezes e, eu diria até os dias de hoje, é/foi acusado de ser um “vagabundo” sustentado por terceiros em sua vida material. Mas aí o leitor me questionaria: O que isso tem a ver com a História? De forma resumida se de fato ele não se sustentava materialmente, o tempo “livre” do qual ele dispunha fez-se útil e necessário para que ainda no século XVIII, ele pudesse efetivamente analisar as profundas transformações pela qual passava a sociedade daquela época.
            Em sua obra magna, O Capital, em seus momentos de “ócio intelectual” percebeu que o sistema capitalista articulava-se com instituições como o Estado burguês na forma da prisão criada e recriada e até a igreja visando, sobretudo punir, guardar, assistir e encaminhar os agora trabalhadores “livres” ao trabalho forçado. Assim descrito:

“O contexto percebido por Marx é o da prisão criada e recriada, multiplicada e articulada com a economia capitalista, o Estado burguês, a igreja reformada e em reforma. Nessas condições as instituições carcerárias visavam, sobretudo, punir, guardar, assistir disciplinar e encaminhar os recalcitrantes à forca ou ao trabalho forçado” (Sá,1996, pg 15).


            No parágrafo acima observe o leitor que coloquei livre entre aspas, pois imagine agora a seguinte situação: Você detentor dos meios de produção (em comparação grosseira com um profissional liberal qualquer nos dias atuais) agora sem seus utensílios e ferramentas de trabalho e terra para produzir, agora “livre” para submeter-se ao novo modelo econômico.
            Dessa maneira, no contexto da época, destituídos da terra para produzirem e, de suas ferramentas, camponeses tornaram-se trabalhadores “livres” dentro das relações de produção de maneira que, sem que lhes restassem alternativas, agora disponíveis ao mercado como força de trabalho ou a compor uma parcela de excedentes enquanto trabalhadores.  
            É valido ainda lembrar que o novo sistema é composto de três elementos básicos para seu funcionamento que se seguem: a produção, a distribuição e a circulação/consumo.
Senso assim, o modo capitalista definiu-se da forma descrita a seguir:

“O modo capitalista de produzir, circular e consumir riquezas, ao se constituir  nas cidades e retornar ao campo, expropriou, expulsou e degradou camponeses. Transformou-os, juntamente com outros setores da população, em trabalhadores livres de suas ferramentas e objetos de trabalho, agora ”disponíveis”[grifo nosso] e dispostos a servir ao empregador, onde este se encontrasse. Ou ainda, livres para vegetar na indigência ou compor excedentes do mercado de trabalho.” (Sá, 1996,pg 15).

            Porque tecemos essas considerações ao falarmos do tema em questão? Porque segundo (Sá,1996,pg.16):Marx distinguiu dois mecanismos de repressão: a coação das relações econômicas e a violência direta[3], sendo ambas constitutivas da sociedade capitalista.
            Dessa forma, podemos presumir que, devido ao fato de trabalhadores destituídos agora do seu modus faciendi, submetidos a novas formas de trabalho e produção, encontram-se inseridos num contexto histórico, no qual não podem desvencilhar-se e seu excedente de mão-de-obra potencialmente exposto à condição de subempregados ou desempregados literalmente como descrito a seguir:

“Vagabundos, mendigos e vadios sempre existiram em muitos lugares. Porém este segmento marginal estava recebendo novos componentes[...]recém chegados , outrora inseridos nas estruturas produtivas feudais, em decomposição, viam suas ferramentas hábitos e cultura ser “inúteis” [grifo nosso] perante a nova maneira de produzir  e reproduzir riquezas” (Sá, 1996,pg 18).

            Nesse sentido, pensamos agora que trabalhadores até então que dispunham de maneiras de prover sua subsistência agora se tornaram “potencialmente” vagabundos, marginais e um sem fim de nomenclaturas para configurar a nova condição em que se encontram.
            Ora, pois que temos que nos dias atuais, não é muito diferente da realidade vivida pelos camponeses daquela época, pois que o nosso sistema capitalista é incapaz de absorver toda a mão de obra disponível para a relação direta com o mercado e a economia de maneira geral.
           
            Também me parece óbvio que não necessariamente a potencialidade do ser humano agora desprovido de manter sua subsistência, tornar-se um marginal [grifo nosso], efetivamente se tornará pois que esta questão envolve dimensões psíquicas, psicológicas e tantas outras subjetividades atreladas a forma ontológica do ser.
            Então porque resolvi explorar essa questão? Penso que a problemática envolvida no processo perpassa não somente pelo modelo econômico no qual estamos inseridos, mas também em grande parte ou em certa medida pela interpretação de nossas leis e afirmo que o problema não se encerra na mesma pura e simplesmente por possíveis fragilidades que possam apresentar, mas também entendo que os magistrados em nosso país, têm alguma dificuldade em lidar com situações diria numa dimensão teológica numa relação de juízo de valor, pois que não existe “pecadinho e pecadão” e dessa forma, a subjetividade na formação humana do magistrado poderia influenciar de maneira substancial na interpretação da lei.
            Em resumo: vale o que está escrito, mas “normalmente” para os explorados expropriados e destituídos dos interesses do sistema.
           
           
           
           
             



           
           






[1] Geraldo Ribeiro de Sá, Juiz de fora- MG,UFJF,1996.
[2] Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.
[3] [...]as relações econômicas, tornando-se presente, inclusive  nos intercâmbios travados entre capitalistas –proprietários dos meios de produção  e compradores de força de trabalho, e os trabalhadores-donos de suas energias físicas e espirituais. A coação surda, presentes nas relações econômicas e jurídicas, transparece, inclusive nas demais “relações contratuais”, travadas no cotidiano do cidadão.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Entre memória e história- a problemática dos lugares – Pierre Nora- Projeto história – São Paulo – 1993

Por Bianca Wild

Ponderar a memória ou memórias é imprescindível, a meu ver, e Pierre Nora é um dos grandes teóricos que refletiram acerca do tema, no artigo “Entre memória e história – a problemática dos lugares” de 1993, Nora não poderia prever o século XXI, entretanto, acredito, que quando o historiador francês nos elucida sobre “aceleração da história”, esta expressão, não poderia ser mais condizente com o contexto atual, segundo ele significa

“uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção global de qualquer coisa como desaparecida – uma ruptura de equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou de vivido no calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição do ancestral sob o impulso de um sentimento histórico profundo. A ascensão à consciência de si mesmo sob o signo do determinado, o fim de alguma coisa desde sempre começada. Fala-se de memória porque ela não existe mais.”

Pierre Nora afirma que a curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este momento particular da nossa história, a “aceleração”, para Nora o momento de articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais. Há locais de memória porque não há mais meios de memória.

Nora sinaliza o fim das sociedades memória. Como todas aquelas que asseguravam a conservação e a transmissão dos valores, igreja ou escola, família ou Estado, o fim das ideologias memória, como todas aquelas que asseguravam a passagem regular do passado para o futuro ou indicavam o que deveria reter do passado para preparar o futuro: que se trate da reação, do processo ou mesmo da revolução, ainda mais: é o modo mesmo da percepção histórica que com a ajuda da mídia, dilatou-se prodigiosamente, substituindo uma memória voltada para a herança de sua própria intimidade pela película efêmera da atualidade.

Após todos os esclarecimentos dados acerca da expressão “aceleração da história”, Pierre Nora nos indica que o fenômeno acaba de nos revelar é toda a distancia entre a memória verdadeira, social, intocada, aquela cujas sociedades ditas primitivas ou arcaicas, representaram o modelo e guardaram consigo o segredo e a história, que é o que nossas sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado porque levadas pela mudança.
Assim continua Nora, ao falar sobre os perigos dessa memória

entre (grifo meu) uma memória integrada, ditatorial e inconsciente de si mesma, organizadora e toda poderosa e inconsciente de si mesma, organizadora e toda-poderosa, espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado, que reconduz eternamente a herança, conduzindo o antigamente dos ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis das origens e do mito e a nossa (grifo meu) que só história, vestígio, trilha. Distância que só se aprofundou na medida em que os homens foram reconhecendo (grifo meu) como seu um poder e mesmo um dever de mudança, sobretudo a partir dos tempos modernos. Distância que chega hoje num ponto convulsivo.

Pierre Nora nos explica que esse arrancar da memória sob o impulso conquistador e erradicador da história tem como que um efeito de reveleção: a ruptura de um elo de identidade muito antigo, no fim daquilo que vivíamos como uma evidência: a adequação da história e da memória.

Para o admirável historiador francês, o movimento que nos transporta é da mesma natureza que aquele que o representa para nós. E afirma que se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares. Não haveria lugares porque não haveria memória transportada pela história. Cada gesto, até o mais cotidiano seria vivido como uma repetição religiosa daquilo que sempre se fez numa identificação canal do ato e do sentido.

Nora afirma que desde que haja rastro, distancia, mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história.

“(...) memória, história : longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações”

De acordo com Nora, a história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais e a memória é um fenômeno sempre atual um elo vivido no eterno presente. Segundo o autor, a história é uma representação do passado, a memória, porque é afetiva e mágica, não se acomoda a detalhes que a confortam, ela se alimenta de lembranças vagas (...) globais, flutuantes, particulares (...), sensível a todas as transferências (...). A história, porque operação intelectual e laicizante demanda análise e discurso crítico.

Segundo o autor, a memória aloja a lembrança no sagrado, a história liberta e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, neste momento o autor cita Halbwachs, que afirmou que  há tantas memórias quantos grupos existem, que ela é por natureza múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, as evoluções e as relações das coisas, a memória é um absoluto e a história só conhece o relativo, a memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadeira missão é destruí-la.

(...) o movimento da história, a ambição histórica não são exaltação do que verdadeiramente aconteceu, mas sua anulação. (...) uma sociedade que vivesse integralmente sob o signo da história não conheceria (...) mais do que uma sociedade tradicional lugares onde ancorar a memória. Um dos sinais mais tangíveis desse arrancar da história da memória é (...) o início de uma história da história. Toda tradição histórica desenvolveu-se com o exercício regulado da memória e seu aprofundamento espontâneo, a reconstituição de um passado sem lacuna e sem falha.

Nora afirmou que num país que não daria à história um papel diretor e formador da consciência nacional, a história da história não se encarregaria desse conteúdo polêmico. História, memória nação, mantiveram mais do que uma circulação natural: uma circularidade complementar, uma simbiose em todos os níveis. A nação não é mais o quadro unitário que encerrava a consciência da coletividade ela só está ameaçada pela ausência de ameaças.
Com a emergência da sociedade no lugar e espaço da nação, Nora destaca que a legitimação pelo passado, portanto pela história, cedeu lugar à legitimação do futuro. A não é mais um combate, mas um dado; a história tornou-se uma ciência social, e a memória um fenômeno puramente privado a nação-memória terá sido a ultima encarnação da história-memória.
Segundo Pierre Nora, o tempo dos lugares é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída, aprofundamento decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência de uma herança consolidada por outras. Os dois movimentos se combinam para nos remeter de uma só vez aos instrumentos de base do trabalho histórico e aos objetos mais simbólicos de nossa memória: os arquivos, as bibliotecas, os museus, as comemorações. Para o autor, os lugares de memória são, antes de tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora.
Nora afirma que aquilo que oculta, estabelece, constrói, decreta, mantém pelo artifício e pela vontade uma coletividade fundamentalmente envolvida em sua transformação e sua renovação valorizando por natureza, mais o novo do que o antigo mais o futuro do que o passado. Museus, arquivos, cemitérios e coleções, monumentos, santuários, são os marcos testemunhais de uma outra era das ilusões de eternidade. São os rituais de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza, fidelidades particulares de uma sociedade que lavra os particularismos.
Em relação aos lugares, Pierre Nora ressalta que os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações; segundo o autor é por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados, nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa a história depressa os varreria. Mas, se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria tampouco, a necessidade de construí-los e se a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, eles não se tornariam lugares de memória, momentos da história arrancados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos, não mais inteiramente a vida, nem a morte.
De acordo com o autor, a própria perda de nossa memória nacional viva nos impõe sobre ela um olhar que não é mais ingênuo, nem indiferente. Memória que nos pressiona e que já não é mais nossa, entre a dessacralização rápida e a sacralização provisoriamente reconduzida. Apego, que segundo ele, nos mantém ainda devedores daquilo que nos engendrou, mas distanciamento histórico que nos obriga. Para Nora a liquidação da memória foi soldada por uma vontade geral de registro. A passagem da memória para a história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade pela revitalização de sua própria história. O dever de memória faz de cada um o historiador de si mesmo.

Neste momento, Nora faz uma importante afirmação, de acordo com o autor o imperativo da história ultrapassou o círculo dos historiadores profissionais, todos os corpos constituídos, intelectuais ou não, sábios ou não, apesar das etnias e das minoras sociais, sentem a necessidade de ir à busca de sua própria constituição, de encontrar suas origens. O fim da história – memória multiplicou as memórias particulares que reclamam sua própria história. O preço da metamorfose histórica da memória foi a conversão definitiva à psicologia individual.
Nora assevera que a violação do que foi, para nós, a própria imagem da memória encarnada e a brusca emergência da memória no coração das identidades individuais são como as duas faces da mesma cisão, o começo do processo que explode hoje. Inaugura-se um novo regime de memória, questão daqui por diante privada. Para o autor a  psicologização integral da memória contemporânea levou a uma economia singularmente nova da identidade do eu, dos mecanismos da memória e da relação com o passado. Porque a coerção da memória pesa sobre o indivíduo e somente sobre o indivíduo, com sua revitalização possível repousa sobre sua relação pessoal com seu próprio passado.

Segundo o historiador francês, a atomização de uma memória geral em memória privada dá a lei da lembrança um intenso poder de coerção interior, ela obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio e segredo da identidade. Para ele, quando a memória não está mais em todo lugar, ela não estaria em lugar nenhum se uma consciência individual, numa decisão solitária, não decidisse dela se encarregar. Menos a memória é vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares que fazem de si mesmos homens-memória.

Para Pierre Nora, a psicologização da memória deu a cada um o sentimento de que sua salvação dependeria do quitar de uma dívida impossível. A memória – arquivo, memória – dever, e segundo o autor é preciso um terceiro traço para completar esse quadro de metamorfoses: memória - distância. Porque, para ele, nossa relação com o passado, ao menos do modo como ela se revela através das produções históricas as mais significativas, é completamente diferente daquela que se espera de uma memória, não mais uma continuidade retrospectiva, mas o colocar a descontinuidade à luz do dia.

O historiador francês prossegue asseverando que para a história – memória de antigamente, a verdadeira percepção do passado consistia em considerar que ele não era verdadeiramente passado. Um esforço de lembrança poderia ressuscitá-lo ao presente tornando-se, ele próprio a sua maneira, um passado reconduzido, atualizado, conjurado enquanto presente por essa ancoragem e conclui afirmando que sem dúvida para que haja um sentimento do passado, é necessário que ocorra uma brecha entre presente e o passado.
Segundo o teórico, seriam os dois grandes temas da inteligibilidade da história, ao menos a partir da narrativa mitológica, mas que contribuía para dar a uma sociedade em vias de laicização nacional seu sentido e sua necessidade do sagrado. Mais as origens eram grandes e de acordo com Nora elas nos engrandeciam, porque venerávamos à nós mesmos através do passado. E esta relação que se quebrou. Da mesma forma que o futuro visível, previsível, manipulável, projeção do presente, tornou-se invisível, imprevisível, incontrolável, chegamos simetricamente, da ideia de um passado visível a um passado invisível, de um passado coeso a um que vivemos como rompimento, de uma história que era procurada na continuidade de uma memória a uma memória que se projeta na descontinuidade de uma história.

Não se falaria mais em origens, mas em nascimentos segundo o autor. Para Nora o passado nos é dado como radicalmente outro, ele é esse mundo do qual estamos desligados para sempre. Paradoxalmente, a distância exige a reaproximação que a conjuntura e lhe dá ao mesmo tempo sua vibração. A perda de um principio único, explicativo, precipitou-nos, de acordo com Nora num universo fragmentado, ao mesmo tempo em que promoveu todo objeto, seja o mais humilde, o mais improvável, inacessível, à dignidade do mistério histórico.

Pierre Nora segue afiançando que se ninguém sabe de que o passado é feito, uma inquieta incerteza transforma tudo em vestígio, indício possível, suspeita de história com a qual contaminamos a inocência das coisas. Afirma Nora que a nossa percepção do passado é a apropriação veemente daquilo que sabemos não mais nos pertencer. Ela exige a acomodação precisa sobre um objeto perdido. A representação exclui o afresco, o fragmento, ela procede através de iluminação pontual, multiplicação de tomadas seletivas, amostras significativas, memória intensamente retiniana e poderosamente televisual.
A Memória – espelho, segundo Nora, dir-se-ia se os espelhos não refletissem a própria imagem, quando ao contrário, é a diferença que procuramos aí descobrir, e no espetáculo dessa diferença o brilhar repentino de uma identidade impossível de ser encontrada não mais uma gênese, mas o deciframento do que somos à luz do que não somos mais.
Neste momento, Pierre Nora afiança que a explosão da história – memória emerge um novo personagem, pronto confessor, diferentemente de seus predecessores, a ligação estreita, íntima e pessoal que ele mantém com eu sujeito a aprofundá-lo e a fazer não o obstáculo, mas a alavanca de sua compreensão. E conclui afirmando que porque esse sujeito deve tudo a sua subjetividade, sua criação, sua recriação é ele o instrumento do metabolismo que dá sentido e vida a quem em si e sem ele não teria nem sentido nem vida. Para o autor, nossa sociedade, certamente arrancada de sua memória pela amplitude de suas mudanças, mas ainda mais obcecada por se compreender historicamente, está condenada a fazer do historiador um personagem cada vez mais central, porque nele se opera aquilo de que ela gostaria, mas não pode dispensar, o historiador é aquele que impede a história de ser somente história.

Segundo Nora, a mudança do modo de percepção reconduz obstinadamente o historiador aos objetos tradicionais dos quais ele se havia desviado, os usuais de nossa memória nacional. São os lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mesmo tempo o recorte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, para uma chamada concentrada da lembrança.



Os três aspectos coexistem sempre, de acordo com o teórico francês. É material por seu conteúdo demográfico; é funcional por hipótese, pois garante ao mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição,visto que caracteriza por acontecimentos ou uma experiência vividos por um pequeno número uma maioria que deles participou. O que os constitui é um jogo da memória e da história, uma interação dos dois fatores que leva a sua sobredeterminação recíproca. É preciso ter vontade de memória.

Um pouco como as boas regras da crítica histórica de antigamente que distinguiam sabiamente as “fontes diretas” (...) aquela que uma sociedade voluntariamente produziu pra serem reproduzidas como tal – uma lei, uma obra de arte (...) e a massa indefinida de “fontes indiretas” (...) todos os testemunhos deixados por uma época sem dúvidas de sua utilização futura pelos historiadores. Na falta dessa intenção de memória, os lugares de memória serão lugares de história.

De acordo com Nora, se a história, o tempo, a mudança, não interviessem, seria necessário se contentar com um simples histórico dos memoriais – lugares, portanto, mas lugares mistos, híbridos e mutantes,  porque se é verdade que a razão fundamental de ser um lugar de memória é parar o tempo, bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial , prender o máximo de sentido num mínimo de sinais, é claro e é isso que os torna apaixonantes : que os lugares de memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações.

(...) todos os lugares de memória são objetos no abismo. Esse mesmo princípio de duplo pertencimento que permite operar na multiplicidade dos lugares, uma hierarquia, uma delimitação de seu campo, um repertório de suas escalas. Se vemos efetivamente as grandes categorias de objetos que sobressaem do gênero, tudo o que vem do culto dos mortos, tudo o que sobressaí do patrimônio, tudo o que administra a presença do passado no presente – está portanto claro que alguns, que não entram na estrita definição, podem isso pretender e que inversamente, muitos (...) devem de fato ser excluídos.

Nora segue asseverando que toda constituição, todo tratado diplomático são lugares de memória. E é a memória que dita e a história que escreve. É por isso, segundo ele, que dois domínios merecem que nos detenhamos: os acontecimentos e os livros de história, porque não sendo mistos de memória e história, mas os instrumentos por excelência da memória em história permitem delimitar nitidamente o domínio. Entre os livros de história são unicamente os lugares de memória daqueles que se fundam num remanejamento efetivo da memória ou que constituem os breviários pedagógicos.

Esclarecendo-nos ao concluir seu artigo, Nora afirma que somente dois tipos dentre os grandes acontecimentos são relevantes, que não dependem em nada de seu tamanho. De um lado os acontecimentos, por vezes ínfimos, apenas notados no momento, mas aos quais, em contraste, o futuro retrospectivamente conferiu grandiosidade das origens, a solenidade das rupturas inaugurais. De outro lado, os acontecimentos onde, no limite, nada acontece, mas que são imediatamente carregados de um sentido simbólico e que são eles próprios, no instante de seu desenvolvimento, sua própria comemoração antecipada.
A memória pendura-se em lugares, afirmou Pierre Nora, como a história em acontecimentos. Se insistimos sobre o aspecto material dos lugares, eles próprios se dispõem num vasto degrade. Veja-se primeiro, os portáteis, não os menos importantes, visto que o povo da memória dá um exemplo maior com as tábuas da lei: veja-se o topográfico, que devem tudo a sua localização exata e a seu enraizamento ao solo: vejam-se os lugares monumentais que não saberíamos confundir com os lugares arquiteturais. Os primeiros, estátuas ou monumentos aos mortos, conservam seu significado em sua existência intrínseca, mesmo se sua localização está longe de ser indiferente, outra encontraria sua justificação sem alterar a deles. Segundo o autor o mundo não acontece com os conjuntos construídos pelo tempo, e que tiram sua significação das relações complexas entre seus elementos: espelhos do mundo ou de uma época, como a catedral.
Aqui Nora faz outra importante distinção os lugares dominantes e os lugares dominados. Os primeiros, segundo ele, espetaculares e triunfantes, imponentes e geralmente impostos, quer por uma autoridade nacional, quer por um corpo constituído, mas sempre de cima, tem, muitas vezes  a frieza ou a solenidade das cerimônias oficiais, mas nos deixamos levar do que vamos a eles. Os segundos são os lugares de refúgio, o santuário das fidelidades espontâneas e das peregrinações do silencio. É o coração vivo da memória.
Nora concluí afirmando que os lugares são nosso momento de história nacional, uma característica  decisiva os coloca radicalmente a parte de todos os tipos de história, antigos e novos, aos quais estamos habituados. De acordo com Nora, todas as aproximações históricas e científicas da memória, sejam elas dirigidas a da nação ou a das mentalidades sociais, tinham a ver com as próprias coisas cuja realidade em sua maior vivacidade elas se esforçavam para apreender. Diferentemente de todos os objetos da história, os lugares de memória não têm referentes na realidade, eles são seu próprio referente, sinais que devolvem a si mesmos, sinais em estado puro, o que os faz lugares de memória é aquilo pelo que, exatamente, eles escapam da história; espaço ou tempo, espaço e tempo de um círculo no interior do qual tudo conta, tudo simboliza, tudo significa. Nesse sentido o lugar de memória é um lugar duplo: um lugar de excesso, fechado sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade, e recolhido sobre seu nome, mas constantemente aberto sobre a extensão de suas significações.