terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Branqueamento e branquitude

Branqueamento e branquitude [1]

(Resenha) Por Ricardo Oliveira[2]

            O branqueamento é considerado como um problema do negro e este procura miscigenar-se  no intuito de amenizar suas características raciais(como uma saída emergencial).
            Na verdade, devemos observar que trata-se de um problema do negro na perspectiva que temos do olhar do branco europeu, pois de outra forma, não haveria necessidade de tal procedimento para buscar atenuar as peculiaridades da etnia negra e, com isso superar supostas expectativas de aceitação por assim dizer na sociedade.           
            O modelo racial branco aparece como ideal e universal e, por conseguinte, suas características como paradigma a ser seguido e mantido pela elite branca brasileira.
            Como destaquei em outra oportunidade, este paradigma mantem-se até os dias atuais considerando-se um viés construído religiosamente baseado na descendência adâmica que, por conseguinte, cimentou o arquétipo da superioridade do branco sobre o negro. Nesse sentido, fez-se uma apropriação simbólica que no imaginário social legitimou a sua supremacia e, em contrapartida, soterrou a identidade racial do negro por assim dizer.
            Em trabalhos de pesquisa, é notório o silêncio e a omissão (voluntária ou não) e a distorção em relação ao lugar que o branco ocupa no processo de relações raciais no Brasil.  
Evita-se destaca-lo pois mesmo do ponto de vista socioeconômico, o privilégio simbólico atenua as dificuldades.
A conclusão que podemos chegar é a de que a projeção do branco sobre o negro no processo de branqueamento ocorre por conta do MEDO do outro, do diferente.





[1] BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL In: Psicologia social do racismo –estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil / Iray Carone, Maria Aparecida Silva Bento ( Organizadoras) Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. (25-58).
[2] Graduado em Ciências Sociais/Faculdade de Filosofia de Campo Grande e Pós Graduado em Diversidade Étnica e Educação Superior/UFRRJ.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Consumo e identidade

Por Bianca Wild


Ao pensarmos “Identidade” somos remetidos quase que imediatamente ao RG, nosso registro civil, que possuí um número para nos identificar e uma série de outras informações que nos tornam “reconhecíveis” para o “sistema”, para os olhos da lei, especialmente para questões burocráticas. Nele consta nossa naturalidade indicando em que estado nascemos, nacionalidade, indicando nosso país, filiação e data de nascimento; contudo o termo “Identidade” tem um outro sentido além de um documento, sendo um conceito muito mais complexo e abrangente; afinal não podemos nos “resumir” apenas em uma sequência de números. Para Jurandir Freire Costa (1989), “(…)a identidade é tudo que se vivencia (sente, enuncia) como sendo eu, por ocasião àquilo que se percebe ou anuncia como não-eu (aquilo que é meu; aquilo que é outro) (…) “a identidade não é uma experiência uniforme, pois é formulada por sistemas de representações diversos. Cada um destes sistemas corresponde ao modo como o sujeito se atrela ao universo sociocultural. Existe assim, uma identidade social, étnica, religiosa, de classe; profissional, etc.”
E, justamente por dependermos da interação e da constante socialização para nos construirmos, que é importante o contexto no qual estamos inseridos. Nesse sentido, cabe aqui iniciarmos uma discussão acerca da sociedade em que vivemos, da sociedade de consumo. As identidades acompanham as sociedades no que concerne a compreensão de que ambas estão em processo constante de mudança e adequação, se as instituições sociais responsáveis pela formação dos indivíduos, dentre elas podemos citar a escola, produziram ou ajudaram a produzir discursos, é importante destacarmos que os sujeitos concretos não cumprem literalmente aquilo que é prescrito através dos discursos, fáceis de casar com o discurso neoliberal da atual sociedade, na qual há um mercado para tudo, e, portanto, um espaço “para todos”. Entretanto pouco se sabe, e pouco se deseja saber, sobre as relações de poder que estão na base da lógica da exclusão;
Nossa sociedade, contemporânea ou “pós-moderna”, também pode ser chamada de “sociedade midiática”, “sociedade do conhecimento”, “da desigualdade social” e de “sociedade de consumo”. Consumo e mídia são inseparáveis e mais, como afirma o sociólogo Zigmund Bauman, ocorreu nos últimos tempos, uma espécie de transformação das pessoas em mercadorias a sociedade contemporânea “se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e a semelhança das relações entre consumidores e os objetos de consumo” (BAUMAN, 2008, p. 19). Bauman ainda conclui “numa sociedade de consumidores, tornar-se mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os contos de fadas” (BAUMAN, 2008, p.22).
Nas últimas décadas houve um aumento significativo do consumo em todo mundo, provocado pelo crescimento populacional e, principalmente, pela acumulação de capital das empresas que puderam se expandir e oferecer os mais variados produtos, conjuntamente com os anúncios publicitários que propõe, induzem e manipulam para o consumo a todo o momento. Chamamos de consumo o ato da sociedade de adquirir aquilo que é necessário a sua subsistência e também aquilo que não é indispensável, ao ato do consumo de produtos supérfluos, denominamos consumismo.
A “coisificação” dos indivíduos, a valorização do corpo, da estética, em detrimento de outros valores e qualidades tão importantes nos seres humanos é evidente na sociedade em que vivemos. Justamente por haver a necessidade de se “criar” sempre novos consumidores, há um mercado para crianças, mulheres em várias fases da vida, adolescentes, minorias, etc., é preciso estimular o consumo e não deixar ninguém de fora do círculo.
Oliveira e Costa (2005) Citam Frei Betto:

A publicidade sabe muito bem que, quanto mais culta uma pessoa – cultura é tido aquilo que engrandece o nosso espírito e a nossa consciência – menos consumista ela tende a ser. Um pequeno exemplo: quem gosta de música clássica certamente não contribuí para enriquecer a indústria fonográfica. O que garante fortunas que rolam nesta indústria é, a cada dia, o consumidor experimentar uma nova banda, um metaleiro diferente; porque, se não for assim, se ele gostar de meia dúzia de compositores clássicos, o consumo será menor, pois comprará apenas as novas interpretações dos compositores da sua preferência” (BETTO, 2004).

Ou seja, como afirmam estes autores, transformando o alvo, o indivíduo, neste caso o consumidor, em passivo, dócil, apenas um espectador que não se sente como sujeito da história, e muito menos tem impulsos questionadores, ocorre um processo de inculcação de valores, ideias e hábitos, pois em uma sociedade de massa, é preciso estar sempre na moda, ser escravo das tendências. Não se deve pensar, julgar ou avaliar de forma independente o que a mídia nos oferece, basta consumir e se divertir.
Tendo como referencial as concepções de Marx, que conceituou Ideologia como um sistema de pensamento, ou seja, uma forma de conceber o mundo que abrange, principalmente, os seus aspectos sociais (relações entre os homens e a sua atividade); "Visão do mundo", isto é, produto e reflexo de uma época e de uma sociedade, mais especificamente de grupos sociais reais, estratos e classes, expressando os seus interesses, a sua atividade e o seu papel histórico; Não seria, para este pensador, um sistema de pensamento neutro, pois para ele a ideologia teria uma função que é a de legitimar, justificar e contribuir, ou para a manutenção da ordem social existente, ou para a sua transformação. Marx compreende a ideologia como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o trabalho manual e o intelectual. 1O papel da mídia, assim como de outros aparelhos ideológicos, é justamente prescrever normas e representar a realidade de forma que seja oferecida uma dada interpretação da realidade social, de acordo com os interesses dos produtores da ideologia. Fica claro que quem controla os principais meios de comunicação, sobretudo os de massa, faz parte das estruturas de poder nas sociedades. Nesse sentido, a estrutura não só da nossa sociedade, como de outras se reflete na linguagem da mídia de forma autoritária, elitista, desprezando a cultura popular e voltando-se para a construção de cidadão meramente consumidor, além de promover a apatia política e o descompromisso com os reais problemas do povo (OLIVEIRA; COSTA, 2005).
Para suprir as sociedades de consumo, o homem interfere profundamente no meio ambiente, pois tudo que o homem desenvolve vem da natureza, aqui nesse contexto é o palco das realizações humanas. Através da força de trabalho o homem transforma a primeira natureza (intacta) em segunda natureza (transformada). É a natureza que fornece todas as matérias primas (solo, água, clima energia minérios etc.) necessárias às indústrias.
O modelo de desenvolvimento capitalista, baseado em inovações tecnológicas, na busca do lucro e no aumento contínuo dos níveis de consumo ocasiona a necessidade de se criar novos mercados consumidores constantemente, à medida que outro se extenua, as pessoas, os indivíduos em uma sociedade de consumo são valorizados pelo que tem e não pelo que são, cultua-se o sucesso, o desperdício, em cada âmbito da vida é necessário exibir uma performance espetacular, ser bem sucedido financeiramente, possuir aparelhos eletrônicos de última geração, vestir roupas das melhores grifes, estar em forma, ter um bom automóvel etc., sem a mínima preocupação com o futuro, com o meio ambiente, pois em uma sociedade de consumo você precisa comprar, mesmo sem necessidade, a efemeridade é o único legado, tudo se esgota, tudo se perde, tudo que é sólido se desmancha no ar, nessa sociedade é importante ter e não ser .

Referências
BAUMAN, Zigmund. Vida para o consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de janeiro: ZAHAR, 2008.
OLIVEIRA, de Luiz Fernandes; Costa, da Ricardo Cesar Rocha.Sociologia: o conhecimento humano para jovens do ensino técnico profissionalizante.1ª Ed. Petrópolis,RJ: Catedral das letras, 2005.

1 Marx “o conceito de ideologia aparece como equivalente a ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida e as idéias aparecem como motor da vida real” , Mannheim: “...ideologia é o conjunto das concepções, idéias, representações, teorias que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução da ordem estabelecida” e Löwy "“visões sociais do mundo seriam, portanto, todos aqueles conjuntos estruturados de valores,representações, idéias e orientações cognitivas. Conjuntos esses unificados por uma perspectiva determinada, por um ponto de vista social de classes sociais determinadas”

“Por isso odeio os indiferentes...” Gramsci e a educação por mim e para mim...

Por Bianca Wild

Meu primeiro contato com a obra e o pensamento de Antônio Gramsci foi durante minha graduação em ciências sociais, confesso que até então, mesmo tendo iniciado a graduação em história dois anos antes, nunca havia lido o referido autor. Era necessário, como requisito parcial para aprovação em uma disciplina escrever um artigo sobre Gramsci e a sua concepção de educação, muito perdida, comecei a pesquisar. Ao ler a seguinte frase em um texto que fazia muitas referências a Gramsci: “A tendência democrática de escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante” encantei-me e me senti muito mais motivada a concluir o artigo.

       Alguns dos conceitos cunhados ou destacados por Gramsci tornaram-se amplamente conhecidos, como o de cidadania e hegemonia por exemplo. Gramsci destacou a discussão pedagógica acerca da conquista da cidadania como um dos principais objetivos da escola, afirmando que deveria ser orientada para a promoção cultural das massas, ou seja, para protegê-las da ideologia dominante, da visão de mundo que prioriza as elites e combina preconceitos, inclinando a interiorização de “verdades” que só fazem segregar.

     Escrevo hoje este texto por tratar-se de uma data especial, Gramsci nascera no mês de janeiro do ano de 1891 (22 ou 23,não me recordo), e se estivesse entre nós comemoraria 122 anos de vida. Por ser professora, passei a admirar este teórico, Gramsci demonstrou interesse especial pela educação em muitos dos seus escritos principalmente com referência à educação das massas. Conhecido principalmente como um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, Antônio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século XX, em Cadernos do Cárcere, Gramsci ressalvou que a construção da força constante e organizada é um componente decisivo na conquista da hegemonia.

     Essa tarefa deve ser realizada de modo ininterrupto, estável, metódico e com paciência, de forma a torná-la homogênea e consciente de si, sendo assim, para ele, a escola poderia desempenhar um papel destacado. Nesse sentido Gramsci não acreditava em uma “tomada” de poder que não fosse antecedida por transformações das visões de mundo, por mudanças de mentalidade, para este teórico os principais agentes dessas transformações seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola.

      De acordo com Gramsci: “A escola é o instrumento para elaborar os dirigentes de diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a área escolar(...) tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização(...) (GRAMSCI,1968)”

      Gramsci destacou a importância da criação de uma “escola humanística”, que desenvolvesse a inteligência, a formação consciente, uma escola aberta de fato, para conquistar a liberdade. A hegemonia é conseguida, conforme Gramsci, por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política”. Para Gramsci, cada grupo social básico, com papel determinante na produção, produz seus próprios intelectuais, ditos "orgânicos" a este mesmo grupo social. Portanto, a classe burguesa, ao desenvolver-se no seio do antigo regime, origina não apenas o capitalista, mas também uma série de “intelectuais” mais ou menos distantes dele: o técnico da indústria, o administrador, o economista, o advogado, o organizador das mais distintas esferas do Estado.

        Tais intelectuais são os responsáveis pela nova configuração do Estado e da sociedade, seriam os "funcionários da superestrutura", que acabariam por amoldar o mundo à imagem e semelhança da classe dominante. O Conceito de Hegemonia significou, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é desempenhada pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito, principalmente à cultura, conforme Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, de aprendizado.

       Gramsci destacou a importância da formação, quando disse: “Queremos que todos disponham, de igual modo, dos meios necessários para educar a própria inteligência, para dar a toda a coletividade os maiores frutos possíveis do saber, da pesquisa científica, da fantasia que cria a beleza na poesia, na escultura, em todas as artes.” Na escola “idealizada” por Gramsci, as classes desvalidas poderiam se fazer valer dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. Engendrando uma visão de mundo que oferecesse acesso à condição de cidadão, teriam a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chamou de senso comum. Gramsci asseverou a importância para os primeiros anos de escola de um currículo que lhe proporcione noções instrumentais (ler, escrever, reconhecer os conceitos científicos, fazer contas etc.) e, claro seus direitos e deveres de cidadão.

       A atrocidade do regime de Mussolini ficou decididamente comprovada quando as cassações dos mandatos dos parlamentares oposicionistas iniciaram-se e com o sequestro e assassinato do seu maior opositor, Giacomo Matteoti. Tendo perdido a imunidade parlamentar, Gramsci foi preso pela polícia política em 1926 e confinado próximo de Palermo, um intelectual como Gramsci era um perigo para Mussolini. Gramsci nunca implorou clemência ao regime fascista, pois iria contra aos seus princípios e concepções.

       Alguns anos após sua prisão, Gramsci adoeceu, não desejando que este destacado intelectual fosse considerado mártir, os fascistas determinaram a sua soltura, Gramsci faleceu em 1937, apenas uma semana após ser libertado. Sua sepultura recebe numerosos visitantes ainda hoje, suas ideias inspiram educadores, intelectuais, pois Gramsci é atual, a democracia foi uma questão fundamental para este pensador, mas destacou o papel da escola na formação do cidadão consciente, proporcionando a partir desta formação uma democracia com o povo e não para o povo, ainda hoje seu pensamento, suas teorias podem se aplicar para entendermos nossos problemas na educação, na política e para tentarmos agir de forma consciente, concluindo esta breve apresentação do pensamento de Gramsci acerca da educação, da escola, faço-me valer de uma citação: “Todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”

Referências:
GRAMSCI, Antonio. Os Dirigentes e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
 __________________. Democracia Operária. IN: http://www.marxists.org/portugues/gramsci/1919/06/21.htm. Acesso em 08 fev. 2008.

__________________. Escritos Políticos. V.1 e 2. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

O Povo brasileiro – Resumo/ Apontamentos e conclusões

Por Bianca Wild

Apreender o sentido do que hoje somos é muito mais do que um desafio, constituísse num longo e detalhado processo de trabalho. A reflexão sobre a nossa formação nos remete às nossas origens, à história que como brasileiros, fomos construindo. A realidade na qual nos encontramos traz reflexões e pontos de vista provenientes de outros contextos.
       No que tange esse desafio de nos tornar “explicáveis” Darcy Ribeiro indica um conjunto teórico a partir do nosso contexto histórico. Ribeiro reúne um conjunto de pesquisas que culminam em uma teoria do Brasil até então inédita. Subjacente à descrição desta teoria, está sua preocupação em entender por que caminhos passamos, que nos levaram a diferenças sociais tão profundas no processo de formação nacional.
      Os brasileiros entendem-se, se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia, será? Essa unidade não significa porém nenhuma uniformidade. O homem se adaptou ao meio ambiente e criou modos de vida diferentes, tolerância, convivência, civilidade, etc. A urbanização contribuiu para uniformizar os brasileiros, sem eliminar suas diferenças. Fala-se em todo o país uma mesma língua, um mesmo idioma só diferenciado por sotaques e gírias regionais. Mais do que uma junção de etnias formando uma etnia única, a brasileira, o Brasil é um povo nação, ajustado em um território próprio para nele “fazer” seu destino.
       Foi essa gente composta de índios, negros, mulatos, que fundou esse país. Ao longo da costa brasileira se encontraram duas visões de mundo completamente opostas: a “selvageria” e a “civilização”. Concepções diferentes de mundo, da vida, da morte, do amor, se chocaram. Para os europeus os indígenas pareciam belos seres inocentes, que não tinham noção de "pecado", porém com um grande defeito: eram "vadios", preguiçosos não produziam nada que pudesse ter valor comercial. Serviam apenas para ser vendidos como escravos. Com a descoberta de que as matas estavam cheias de pau-brasil, mudaram o foco de seus interesses. Era necessária mão-de-obra para retirar a madeira.
     Ocorreu uma forma de miscigenação ao meu entender um tanto quanto opressora, onde houvesse algum europeu alojado na costa em contato com as naus, e  que pudesse viabilizar o fornecimento de mercadorias das quais os indígenas já haviam se tornado até certo ponto, dependentes, cada aldeia levava uma moça para casar-se com os respectivos europeus. Se ele mantivesse relações sexuais com a moça, então ele se tornava “cunhado”, e passava a ter sogro, sogra, genros, passava então a ser parente. Então o português e os europeus, conseguiram desse modo pôr milhares de índios a serviço deles, para a extração e carregamento de pau-brasil.
    O branco penetrou na cultura indígena através deste tal "cunhadismo", por meio desse costume foi iniciada a formação do povo brasileiro. E da união das índias com os europeus nasceu um povo mestiço que efetivamente ocupou o Brasil. Na barriga das mulheres indígenas cresciam indivíduos que não eram indígenas, mulheres emprenhadas pelos portugueses, pariam meninos e meninas que sabiam que não eram índios e nem europeus, pois os europeus não os aceitavam como iguais. O que eram então? Eram uma gente vazia? O que significavam eles do ponto de vista étnico? Estes mestiços consistiam a matéria - prima com a qual se formaria no futuro o povo brasileiro.
     É admissível até que a colonização pudesse ser feita através do desenvolvimento dessa prática, tinha o defeito, porém (para os portugueses), de ser acessível a qualquer europeu desembarcado junto às aldeias indígenas. Isso efetivamente ocorreu, pondo em movimento um número crescente de navios e incorporando os indígenas ao sistema mercantil de produção. Para Portugal é que representou uma ameaça, já que estava perdendo sua conquista para armadores franceses, holandeses, ingleses e alemães, cujos navios já sabiam onde buscar sua carga.
     Sabemos que um dos primeiros e principais núcleos povoadores surgiu em São Paulo, chefiado pelo português João Ramalho, alguns afirmam que ele havia chegado ao planalto paulista antes de Cabral. Os registros da época supõem que ele teve mais de trinta mulheres índias e quase oitenta filhos (as) mestiços. A ocupação e o consequente povoamento se iniciaram a partir do litoral. Na Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e no Rio de Janeiro, em toda a extensão litorânea os europeus geraram um exército de mestiços, chamados de mamelucos pelos jesuítas espanhóis, por causa da aparência agreste e rústica e da violência com que capturavam e escravizavam os indígenas, de quem eram descendentes.
       Esses mamelucos aprenderam o nome das árvores, dos bichos, batizaram os rios, aprenderam e dominaram superficialmente a sabedoria milenar dos índios. Em dez mil anos os índios aprenderam a viver na floresta tropical, identificaram mais de sessenta tipos de árvores frutíferas, domesticaram muitas plantas, essas que conhecemos hoje: mandioca, milho, amendoim, dentre muitas outras. Há duas contribuições fundamentais nesse encontro: uma mestiçagem do corpo e uma mestiçagem da cultura. Em nós vivem milhões de índios, índios que foram abatidos porque a brutalidade do branco com o índio foi terrível. Abatidos porque o branco europeu tinha muitas doenças.
Considera-se que na ocasião em que chegaram os portugueses em terras brasileiras havia cinco milhões de indígenas, dois séculos mais tarde não chegavam a dois milhões. Em cinco séculos desapareceram para sempre cerca de oitocentas etnias. Eram povos de diferentes culturas, que ocupavam amplos territórios de características geográficas distintas. Hoje, os sobreviventes somam duzentos e setenta mil habitantes ou talvez menos.
      Era uma sociedade que, por ser mais pobre, era também mais igualitária. A miscigenação era livre, porque quase não havia entre eles quem não fosse mestiço. Até meados do século XVIII essa gente falava uma língua aprendida com os índios, o “nheengatu”. Um jeito de falar tupi com boca de português, inventado pelos padres jesuítas.
Em sua peregrinação, os paulistas foram ampliando o tamanho do Brasil, na esperança de encontrar minérios, eles buscavam no fundo das matas a única mercadoria que estava ao seu alcance: os indígenas. As bandeiras partiam de São Paulo levando mais de duas mil pessoas, homens e mulheres, famílias inteiras de mestiços que iam fazendo roças pelo caminho, fundando vilarejos, caçando e pescando para comer, ignoraram as fronteiras portuguesas para aprisionar os habitantes da terra, e vendê-los como escravos aos engenhos do nordeste. E não pouparam sequer os índios convertidos à fé católica que habitavam as missões jesuíticas do sul do país e do Paraguai.
       No final do século XVII, a descoberta de ouro pelos paulistas nas terras do interior modificou os caminhos do Brasil Colônia, em menos de dez anos, chegaram à região das Minas mais de 30 mil pessoas, vindas de todo o país, paulistas, baianos, senhores de engenho falidos e, sobretudo, escravos; muitos morriam de fome com o ouro nas mãos, já que não havia o que comer. Os tropeiros asseguravam a sobrevivência vendendo comida e panos de algodão. Atraídos pelo ouro, muitos se fixaram no cruzamento das rotas de comércio e estabeleceram os primeiros povoamentos e assim abriram caminho para a ocupação do interior do país.
        Setenta anos depois, a capitania de Minas Gerais já era a área mais populosa da América, com trezentos mil habitantes, pessoas que vinham atrás de fortuna, como os garimpeiros. A descoberta do ouro mudou completamente a vida da colônia. A mineração enfraqueceu a indústria açucareira, que era a principal atividade econômica. A sociedade estava estruturada nos moldes da fazenda, da casa-grande e da senzala. O país progredia graças ao trabalho escravo de três milhões de negros. O açúcar, no entanto, começou neste período a sofrer concorrência das Antilhas.
       A grande contribuição da cultura portuguesa aqui foi fazer o engenho de açúcar movido por mão-de-obra escrava, ou seja, foi introduzir a utilização da mão de obra escrava e o tráfico negreiro traçando assim um modo de produção escravista ou escravocrata. Por isso, começaram a trazer milhões de escravos da África. O negócio maior do mercado mundial era a venda de açúcar e depois a remessa de ouro (mercantilismo). Mas a despesa maior era a compra de escravos. Os europeus iam à África e faziam grandes expedições de caça de negros, metade morria na travessia ou na brutalidade da chegada, ou mesmo por meio do chamado “banzo”, um estado psicológico que pode ser explicado como depressão, mas milhões deles incorporaram-se ao Brasil.
      Estes negros eram provenientes de povos diferentes, com dialetos locais, línguas locais, o único modo de um negro falar com o outro era aprender a língua do seu capataz, que não desejava ensiná-los a língua local temendo a ocorrência de futuras fugas e a perda do controle da “mercadoria”, genialmente esses negros aprenderam a falar português ora com auxilio de outros empregados da casa grande, ora com auxilio de um capataz mais flexível, ora observando e escutando etc. Quem difundiu o português brasileiro foi o negro, que se concentrou na área da costa de produção do açúcar e na área do ouro. Sabemos que com os negros escravos vinham as escravas mulheres e meninas, muitas apartadas dos maridos, noivos e filhos, custavam o preço de dois ou três escravos de trabalho, os senhores de engenho queriam muito comprá-las, e os capatazes também, para explora-las tanto no trabalho da casa grande como sexualmente, logicamente essas mulheres e meninas engravidavam, e quem era essa criança? Não era africana, não era índia e não era européia, essa criança só encontraria uma identidade no dia em que se definisse o que é o brasileiro.
      Darcy Ribeiro começa a descrever como foi acontecendo a “gestação do Brasil” e dos brasileiros como um povo. Nessa reconstituição ele fala da união ocorrida entre portugueses, índios e negros, matrizes étnicas do brasileiro.
     Um povo novo que, de acordo com Darcy, se enfrentam e se fundem, fazendo surgir, "num novo modelo de estruturação societária". Para ele, essa mestiçagem fez nascer um novo gênero humano. Nova gente, mestiça na carne e no espírito.
      Segundo Darcy essa gente fez-se diferente:
“Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas naturais. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos exista. Povo novo ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização socioeconômico, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros”. (1996, p. 19)
Ao oposto do que se podia idealizar, um conjunto tão variado de matrizes formadoras não resultou num conjunto multiétnico. Diz:
“... apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes de autonomia frente à nação”. (1996, p. 20)
     Com pequena exceção a grupos que sobrevivem de maneira isolada, que mantendo seus costumes, mas que, segundo Darcy, não podem afetar a macro etnia em que se encontram.
Dessa unidade étnica básica, ele não quer propor uma uniformidade entre os brasileiros, ele esclarece está questão distinguindo três forças diversificadoras: a ecológica, a econômica e a imigração. Estas formam os fatores que tornaram presente os diferentes modos de ser dos brasileiros, espalhados nas diversas regiões do território brasileiro.
Segundo Darcy:
    “A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para ainda mais uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero de vida que cria suas próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de novas formas e estilos culturais”. (1996, p. 21)
 Darcy Ribeiro sugeriu deste modo que, apesar das diferentes matrizes “racionais” nas quais se formaram os brasileiros, também por questões culturais e por situações regionais, "os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia". Formamos uma etnia nacional única, um só "povo incorporado".
Concebeu a história brasileira dividida em cinco formadores regionais, a cultura crioula, cabocla, gaúcha, caipira e a cultura sertaneja. Divididas em territórios específicos, a cultura crioula, desenvolveu-se no litoral nordestino; a caipira, que se formou nas áreas ocupadas pelos mamelucos paulistas; a sertaneja, desenvolvida na área que se desdobra desde o Nordeste até os cerrados do Centro-Oeste; a cabocla, que correspondente à população amazônica e a gaúchas,  formada no sul do país.
    Ressalva que este mesmo processo ocorreu consolidando as incompatibilidades sociais de caráter traumático. Diz:
“A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que encandece, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos”. (1996, p.120)
Para Darcy formamos a maior presença neolatina no mundo, uma "nova Roma". Segundo ele, melhor, porque racialmente lavada em sangue índio e em sangue negro. Esta nossa singularidade nos condena a nos inventarmos a nós mesmos e desafiados a construir uma sociedade inspirada na propensão indígena para o convívio cordial e para a reciprocidade e a alegria saudável do negro extremamente alterativo.
        Darcy Ribeiro trata das características iniciais do território brasileiro, das terras encontradas pelos portugueses que desembarcaram pela primeira vez no ano 1500 do calendário europeu, estas terras se encontravam povoadas por um grande número de indígenas que viviam por toda superfície do Brasil.
Segundo Darcy: "Eram, tão-só, uma miríade de povos tribais, falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam" (1996, p. 29).
Essas tribos aqui encontradas eram na sua maioria da família tupi, elas se encontravam nos primeiros passos da revolução agrícola na escala da evolução cultural. Já conseguiam domesticar diversas plantas. Com o cultivo da terra garantiam a subsistência do ano inteiro. É importante lembrar que as aldeias possuíam uma estrutura igualitária de convivência sem estratificação direta. Mas, devido a colonização de suas terras, as tribos se chocavam em guerra umas com as outras o mesmo aconteceu na colonização do território africano.
      Ao contrário do modelo constituído pelas tribos indígenas no Brasil, os portugueses invasores possuíam relações sociais baseadas na estratificação das classes, tinham uma velha experiência como civilização urbana. Com eles veio a Igreja católica que exerceu uma grande influência no processo de formação sociocultural do povo brasileiro. Na visão de Darcy, a Igreja exerceu um forte poder de mando, influenciando na vida dos indígenas e negros.
Desde o início houve uma fração de jesuítas que tinha uma utopia para os índios,  fazê-los pios seráficos, religiosos. Eles achavam que era o jeito de fazer o Paraíso na Terra. A religião estabeleceu-se de fato com as filhas das índias e das negras, as mestiças, que, não podendo satisfazer-se com a religião dos índios e dos negros, aceitavam e gostavam das novenas, das ladainhas, das missas, das procissões, assim surgindo esse catolicismo santeiro e festeiro.
    No contexto mundial Portugal entrava na disputa pelos novos mundos, estimulado pelas forças transformadoras da revolução mercantil. Diz Darcy:
“Esse complexo do poderio português vinha sendo ativado, nas últimas décadas, pelas energias transformadoras da revolução mercantil, fundada especialmente na nova tecnologia, concentrada na nau oceânica, com suas novas velas de mar alto, seu leme fixo, sua bússola, seu astrolábio e, sobretudo, seu conjunto de canhões de guerra (...) Era a humanidade mesma que entrava noutra instância de sua existência, na qual se extinguiriam milhares de povos, com suas línguas e culturas próprias e singulares, para dar nascimento às macro etnias maiores e mais abrangentes que jamais se viu. (1996, p.38)”.
Era a superação do Estado feudal, o processo civilizatório no seu momento mercantil. Além de protagonizarem o inferno da expansão territorial político-econômico, se intitularam propagadores da unidade dos homens numa só cristandade. De acordo com Darcy:
“Eles se davam ao luxo de propor-se motivações mais nobres que as mercantis, definindo-se como os expansores da cristandade católica sobre os povos existentes e por existir no além-mar. Pretendiam refazer o orbe em missão salvadora, cumprindo a tarefa suprema do homem branco, para isso destinado por Deus: juntar todos os homens numa só cristandade, lamentavelmente dividida em duas caras, a católica e a protestante”. (1996, p.39)
     Para o índio que passava a conviver com aquela situação nova não foi nada simples compreender o que representava aqueles acontecimentos novos. O fato é que desta colisão de culturas, surgiram concepções que os índios estarrecidos por certo tempo sustentaram, como a de que os recém-chegados europeus eram deuses. Não demorou muito para se decepcionarem. Os indígenas perceberam que os recém-chegados do mar não passavam de enganadores, mentirosos e principalmente exploradores, lhes traziam pequenos utensílios e em troca lhes tiravam a alegria de viver, lhes entupiam de doenças que os dizimava aos milhares.
     Darcy Ribeiro assinala as duas visões de mundo que se chocavam. Para os conquistadores essa nova terra era um espaço de exploração em ouro e glórias, na visão dos índios, "o mundo era um luxo de se viver, tão rico de aves, de peixes, de raízes, de frutas, de flores, de sementes, que podiam dar as alegrias de caçar, de pescar, de plantar e colher a quanta gente aqui viesse ter". (1996, pp. 44-45)
Enquanto os brancos não mediam esforços para alcançar as riquezas que lhes interessavam, os índios acreditavam que a vida era dádiva de deuses bons. Na perspectiva de Darcy Ribeiro os brancos para os índios, eram aflitos, aborrecidos e/ou angustiados demais. Para os brancos, a vida era uma sofrida obrigação, e todos estavam condenados ao trabalho e subordinados ao lucro, enquanto que, para os índios, "a vida era uma tranquila função de existência, num mundo dadivoso e numa sociedade solidária".
     Outras instituições que tiveram grande influência na gestação étnica do Brasil foram as donatarias e as reduções, onde os índios viviam submetidos às ordens dos missionários. No ponto de vista de Darcy o Brasil tem sido, ao longo dos séculos, um terrível moinho de gastar gentes. O fato é que se gastaram milhões de índios, milhões de africanos e milhões de europeus. Comenta:
“Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em consequência, um povo síntese, mestiço na carne e na alma, orgulhoso de si mesmo, porque entre nós a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Um povo sem peias que nos atenham a qualquer servidão, desafiado a florescer, finalmente, como uma civilização nova, autônoma e melhor”. (1995, p.13)
     Nossa matriz negra foi responsável por remarcar a amálgama racial e cultural brasileira com suas cores mais fortes. Diz Darcy Ribeiro:
Nossa matriz africana é a mais abrasileirada delas. Já na primeira geração, o negro, nascido aqui, é um brasileiro. O era antes mesmo do brasileiro existir, reconhecido e assumido como tal. O era, porque só aqui ele saberia viver, falando como sua língua do amo. Língua que não só difundiu e fixou nas áreas onde mais se concentrou, mas amoldou, fazendo do idioma do Brasil um português falado por bocas negras, o que se constata ouvindo o sotaque de Lisboa e o de Luanda”. (1995, p. 14)
     Darcy assinala com grande lamento que "nossos patrícios negros" sofreram e ainda sofrem o drama de sua penosa ascensão de escravo a assalariado e a cidadão, sobre a dureza do preconceito racial.
O processo de formação do povo brasileiro foi caracterizado constantemente por situações de conflitos. Darcy Ribeiro Caracteriza o entendido entrechoque dos contingentes índios, negros e brancos dentro do quadro de conflitos não puros, pois, segundo ele, sempre ocorreu uma combinação entre uns e outros. Para Darcy uma nova situação se impôs com a chegada do dominador europeu, tendo em vista que este queria buscar de todas as formas impor sua hegemonia nessas terras. Os conflitos interétnicos que aqui existiam, sem maiores consequências, agora de maneira mais ampla, foram surpreendidos por uma nova situação de guerra irremediável.
      Nesse confronto, as forças que se chocam são muito desiguais:
“De um lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identificação étnica, irmanadas por um modo de vida essencialmente solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, vale dizer, antagonicamente opostas mas imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente irresponsáveis. A primeira das quais é a ocupação do território. Onde quer que um contingente etnicamente estranho procure, dentro desse território, manter seu próprio modo tradicional de vida, ou queira criar para si um gênero autônomo de existência, estala o conflito cruento”. (Darcy Ribeiro, 1996, p.169)
      Entre os momentos conflituosos Darcy aponta para os conflitos entre os invasores, descrevendo que entre colonos e jesuítas houve uma longa guerra sem quartéis, marcada por componentes classistas, racistas e étnicos, O autor situa as motivações de colonização dos jesuítas num plano distinto ao da colonização espanhola e portuguesa.
Outro enfrentamento altamente conflituoso é o que se deu por consequências predominantemente raciais, entre as três matrizes observamos um sentimento de preconceito. Outra situação é a de caráter fundamentalmente classista, que configura a luta entre proprietários e as massas trabalhadoras. Darcy, ao que parece, vê essas lutas identificando-as como o recrutamento de mão-de-obra para a produção mercantil.
       No processo de formação sociocultural do Brasil ele vê a organização do que ele chama de empresas. A empresa escravista, ele a vê como a principal, latifundiária e monocultora que foi sempre altamente especializada e essencialmente mercantil. Outra, já como forma alternativa de colonização, foi a empresa jesuítica. Esta estava fundada na mão-de-obra servil dos índios. Uma terceira, que tinha um alcance social bastante considerável, foram as múltiplas microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado, baseada em diferentes formas de aliciamento de mão-de-obra. Estas incorporam os mestiços de europeus com índios e negros dando corpo ao que viria a ser a essência do povo brasileiro.
      Darcy diz que essas empresas, cada uma com seus fins particulares, atuaram para garantir o êxito do empreendimento colonial português no Brasil. Uma quarta empresa foi composta pelo núcleo portuário de banqueiros armadores e comerciantes de importação e exportação. Formavam o componente dominante da economia colonial e o mais lucrativo dela. Ainda sobre o processo de formação sociocultural, ele organiza uma visão de conjunto do processo de urbanização brasileira. Segundo Darcy, o Brasil nasceu já como uma civilização urbana, separada em conteúdos rurais e citadinos.
Ele organizou um quadro da questão agrária brasileira, onde comenta as dimensões espantosas dos latifúndios, a questão do monopólio da terra e a monocultura. Relacionou o temível êxodo rural com o inchaço das cidades em consequência causando a miséria da população urbana. Para    Darcy formou-se um modelo político-econômico que estratifica a população brasileira.
     Para Darcy formou-se um modelo político-econômico que estratifica a população brasileira. Diz:
“A estratificação social gerada historicamente tem também como característica a racionalidade resultante de sua montagem como negócio que a uns privilegia e enobrece, fazendo-os donos da vida, e aos demais subjuga e degrada, como objeto de enriquecimento alheio. Esse caráter intencional do empreendimento faz do Brasil, ainda hoje, menos uma sociedade do que uma feitoria, porque não estrutura a população para o prenchimento de suas condições de sobrevivência e de progresso, mas para enriquecer uma camada senhorial voltada para atender às solicitações exógenas”. (1996, p. 212)
      Sobretudo, a distância social entre ricos e pobres é, para Darcy Ribeiro, uma condição muito assombrosa, somando-se a isso a discriminação sofrida pelos negros, mulatos e índios. O problema racial constitui-se num sério problema para o Brasil. De maneira mais seria é aquele que pesa sobre os negros, a mais árdua foi e, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional.
      No final do século XIX, a crise de desemprego que ocorreu na Europa trouxe para o Brasil sete milhões de imigrantes. Eles vinham para trabalhar nas plantações de café, o principal produto de exportação da época. Acabaram ocupando o lugar dos mestiços e escravos libertos, como mão-de-obra assalariada. Os europeus se fixaram principalmente em São Paulo e nas cidades do sul do país, onde revigoraram a vida local e promoveram o primeiro surto de industrialização do país.
       Ainda hoje, comenta haver a mentalidade assimilacionista que leva os brasileiros a supor e desejar que os negros desapareçam pelo “branqueamento” progressivo. Para Darcy a característica distintiva do racismo brasileiro é que ele não incide sobre a origem racial das pessoas como por exemplo no Estados unidos, mas sobre a cor de sua pele. Para ele, a possibilidade de existência de uma democracia racial está vinculada com a prática de uma democracia social, onde negros e brancos partilhem das mesmas oportunidades sem qualquer forma de desigualdade, avalia o processo de estruturação como uma configuração diferente de quantas haja, segundo ele só explicável em termos, históricos.
       O Brasil destaca-se no mundo por sua péssima distribuição de renda. Quando o indivíduo consegue melhorar de vida, é possível perceber que seus descendentes em uma ou duas gerações cresceram em estatura, se refinaram, se educaram. Muitos estrangeiros que chegaram aqui no começo do século XX encontraram condições de ascensão social mais rápida do que muitos brasileiros gerados aqui.
Em 1850 as regras de acesso à propriedade rural mudaram, foi a primeira lei de terras do Brasil, já excludente. A simples ocupação e cultivo já não bastavam para garantir a posse. O registro obrigatório acabou expulsando da terra os menos favorecidos e para onde migraram estes homens e mulheres expulsos de terras que a muito tempo cultivavam?
        O país cresceu e se desenvolveu a partir de uma economia de base agrícola, voltada para abastecer o mercado europeu. A maioria da população concentrava-se na zona rural. As cidade e vilas funcionavam como entrepostos comerciais, onde o povo vivia da prestação de serviços aos fazendeiros. Somente nas regiões mineradoras é que se implantou uma rede urbana independente da produção agrícola.
        O Brasil só se tornou uma nação de fato com a abolição da escravatura, que concedeu aos negros, ao menos no papel, a igualdade civil, emancipados mas sem a terra que cultivaram por quase quatro séculos, os ex-escravos abandonaram as fazendas e logo descobriram que não podiam ficar em nenhum lugar, as terras tinham dono. Saindo de uma fazenda caíam em outra, de onde eram, também, expulsos. A maior parte dos escravos concentrou-se na periferia das cidades, nos bairros africanos. Ali eles criaram uma cultura própria, feita de retalhos do que o povo africano guardou nos longos anos da escravidão, no caso da cidade do Rio de janeiro estabeleceram-se nos casarões conhecidos como cortiços, de onde mais tarde foram expulsos pelo então prefeito Pereira Passos e se direcionaram rumo aos morros onde já haviam se estabelecido os negros baianos remanescentes da guerra de canudos, surgia a primeira “favela” o chamado “morro da favela” pelos guerreiros de canudos que depois veio a se chamar morro da providência.
       O negro, guardou, sobretudo sua espiritualidade, sua religiosidade, seu sentido musical. É nessas áreas que ele dá grandes contribuições e ajuda o brasileiro a ser um povo singular. Acredito que nada melhor para sintetizar a formação deste povo e concluir esta resenha do que  seguinte afirmação de Darcy Ribeiro:

“Composta como uma constelação de áreas culturais, a configuração histórico-cultural brasileira conforma uma cultura nacional com alto grau de homogeneidade. Em cada uma delas, milhões de brasileiros, através de gerações, nascem e vivem toda a sua vida encontrando soluções para seus problemas vitais, motivações e explicações que se lhes afiguram como o modo natural e necessário de exprimir sua humanidade e sua brasilidade. Constituem, essencialmente, partes integrantes de uma sociedade maior, dentro da qual interagem como subculturas, atuando entre si de modo diverso do que o fariam em relação a estrangeiros. Sua unidade fundamental decorre de serem todas elas produto do mesmo processo civilizatório que as atingiu quase ao mesmo tempo; de terem se formado pela multiplicação de uma mesma protocélula étnica e de haverem estado sempre debaixo do domínio de um mesmo centro reitor, o que não enseja definições étnicas conflitivas”. (1996, p. 254)